UMA SIMULAÇÃO À EGÍPCIA: ANÁLISE DO DESFILE DOURADO À LUZ DE BAUDRILLARD, por Allyson Afonso dos Santos Silva e Hannah Cabral Dantas de Barros Teixeira

 

Ato I: Introdução

Os últimos 3 anos foram recheados de eventos, produções e discussões que movimentaram a área para curiosos e interessados em História Antiga, ou, mais particularmente, na História do Egito Antigo. Em 2021, tivemos a Pharaoh’s Golden Parade (Desfile Dourado dos Faraós), em ocasião da transferência de 22 governantes mumificados dos períodos faraônicos para o Museu Nacional da Civilização Egípcia; The Grand Opening of the Sphinx Avenue in Luxor (A Grande Abertura da Avenida das Esfinges em Luxor),  em comemoração à abertura ao público da antiga Avenida das Esfinges, que liga os templos de Luxor e Karnak; mas também comemorações de datas caras a Egiptologia, como os 200 anos desse  campo de estudos e 100 anos da descoberta da tumba do faraó Tutancâmon, ambos em 2022.

 

Tais eventos evocaram elementos do Egito Antigo em nome de uma revitalização da história do país em um contexto muito específico, que gerou debate sobre as formas com as quais esse passado foi usado ou apresentado. Não obstante, desfiles anteriormente citados destacaram-se não apenas pelos signos utilizados, mas também pela reverberação nas diversas mídias, tendo sido transmitidos em tempo real em lives, especialmente por canais no YouTube, com traduções simultâneas em francês, espanhol, inglês e outros. Há neste contexto a propagação de um discurso não apenas para si (egípcios), mas também para nações estrangeiras.

 

Diante deste contexto, nos parece acertada a afirmação de Christian Langer, segundo o qual: “Em última análise, a herança egípcia é um espaço contestado, um campo de batalha ideológico entre as diferentes partes [...]. [2021, p.255 – 256]. O Egito, como espaço histórico e ideológico, é, ao que indica Langer, um território em disputa. Essa, discursiva e narrativa, gera diferentes versões sobre o Egito real, — por vezes, propostas como mais reais do que esse — cópias imperfeitas, ou, devemos chamá-las de Simulações?

 

A discussão em eventos e revistas acadêmicas acerca do Desfile Dourado dos Faraós no Brasil contou com duas publicações de destaque: Quando os faraós desfilam no presente: a Marcha Dourada dos Faraós no Egito Contemporâneo (2021), de Francismara Lelis; e O Desfile Dourado dos Faraós (2021): Múmias, museus e identidade nacional egípcia, de Nina Paschoal, Naiara de Assunção e Francismara Lelis. Se a  primeira publicação focou numa análise dos discursos visuais e orais proferidos, por meio do qual pensou-se as representações elaboradas e o uso do passado faraônico do Egito, o segundo focou em elementos simbólicos do desfile, contextualizando-os em meio a teoria do orientalismo de Edward Said.

 

Apesar de estarmos em diálogo com essas publicações, propomos uma abordagem diferente nesta comunicação. Iremos analisar brevemente o Desfile Dourado dos Faraós e seu contexto político de produção, buscando interpretá-lo sob as noções de simulação e simulacro do filósofo francês Jean Baudrillard. Defendemos que dentre as diversas interpretações em torno da narrativa que se constituiu o mencionado desfile, resta pensá-lo também sob essa (ou essas) formas.

 

Ato II: O Contexto político

O Desfile Dourado dos Faraós foi um momento de mobilização do passado egípcio pelo presente. Um movimento que, no entanto, não parece ser uma novidade, mas um fruto da própria cunhagem do campo da Egiptologia, cujo momento fundante se dá entre o fim do século XVIII e o início do século XIX, coincidindo com a então invasão e conquista do território egípcio pelos franceses. Ocorrendo em paralelo com o colonialismo europeu no Oriente Médio, como aponta Langer [2015, p.245].

 

O legado de grandiosidade da antiga civilização faraônica foi, então, cooptado como forma de legitimação da dominação europeia sobre o Oriente e a África. A aparente posse e aparelhamento do passado pelos europeus serviu naquele momento para marcar uma dualidade: os conquistadores, se destacam pela “civilidade” e “esclarecimento”, enquanto seus conquistados, pelo “obscurantismo” e “barbarismo”.

 

Se os conquistadores versavam civilidade no presente, nada mais lógico do que ter as civilizações do passado como seus prenunciadores. A história do Egito Faraônico foi então concebida enquanto prenunciadora da civilização ocidental. “No final do século XIX, o Egito faraônico havia se tornado uma tela de projeção de valores monárquicos e de um senso europeu de superioridade cultural e racial” [LANGER. 2015, p.249].

 

Se a produção de uma história Antiga do Egito tem seu início formal obedecendo a moldes colonialistas e eurocêntricos, no século XX, movimentos de libertação do colonialismo ocorreram por todo o território africano, com resultados que incluíram a independência do Estado Egípcio do domínio britânico. O combate ao domínio colonial foi além dos limites geográficos, narrativas e interpretações passaram a surgir como modo a permitir as antigas colônias criarem suas próprias narrativas sobre si e seus passados.

 

Não abastante, narrativas sobre o passado são evocadas e interpretadas de modo a justificar e exaltar aspectos do presente, sejam nacionalismos ou figuras específicas, por exemplo: na busca por corroborar a crença de que o Egito foi sempre liderado mediante uma figura de autoridade forte, que a iconografia egípcia antiga é usada publicamente. “As paredes externas dos quartéis egípcios, por exemplo, são decoradas com relevos que retratam a gloriosa história dos militares egípcios ao longo dos tempos. A sequência começa com um relevo de batalha ao estilo do Reino Novo, mostrando o poderoso rei em sua carruagem, descendo e atirando em inimigos estrangeiros com seu arco”. [LANGER. 2015, p.253]. E é como um passado a serviço do presente que Pharaoh’s Golden Parade se insere.

 

Ato III: A Simulação Dourada

O Desfile Dourado dos Faraós (Pharaoh’s Golden Parade) ocorreu no dia 3 de abril de 2021, na cidade do Cairo, Egito, e, apesar da sua denominação “desfile”, foi um evento de proporções maiores, contando com um concerto de orquestra, cantores de ópera egípcios, atores, a presença de delegações de países estrangeiros, assim como do Ministério do Turismo e Antiguidade Egípcio [LELIS, 2021, p.111] e diversos voluntários, especialmente estudantes, que trabalharam nas encenações, danças e logística [LE POINT, 2021]. O objetivo do Desfile era transportar 22 múmias, 18 faraós e 4 rainhas, do Museu Egípcio em Tahir ao novo Museu da Civilização Egípcia, localizado em Old Cairo, um trajeto de cerca de 6 km.

 

Numa demonstração única de beleza, glorificação, exaltação e uso do passado do século XXI, o governo egípcio decidiu tornar o transporte um evento e assim o fez, transformando trechos da cidade do Cairo no cenário de uma grande festa em que todas as músicas, danças, discursos e encenações entoadas seriam em honra ao Egito e seus históricos (e porque não também atuais) governantes.

 

Realizado numa noite de primavera, as festividades do desfile duraram cerca de 2h e foi transmitido ao vivo em 18 canais internacionais, assim como contou com cobertura jornalística do mundo todo [LELIS, 2021, p.111]. O evento articulou o Egito moderno, por meio dos atores e atrizes, cantores e músicos, mas também o Egito Faraônico, com o uso de símbolos, objetos, gestos e até mesmo o idioma antigo repensados e reclamados pelo Egito do presente.

Os faraós e rainhas, que contavam com múmias conhecidas como as de Amose Nefertari, Ramsés II, Hatshepsut e Tutmés III, foram transportadas em carros projetados especificamente para o momento. Gravados na parte visível e externa dos carros estavam em três alfabetos e idiomas (inglês, hieróglifo e árabe), o nome da múmia que estava sendo transportada. As cores e os designs em padrões de dourado simulavam a forma da barca solar, emanando seus feixes de luz. Internamente, uma tecnologia minuciosamente planejada foi aplicada, contando com câmaras de alta conservação em nitrogênio, protegidas também por um sofisticado sistema de suspensão que permitisse o mínimo de movimentos internos, afim de preservar seu valioso conteúdo: os corpos mumificados de mais de 2000 anos [CARMO, 2021, s/p]. Eram carruagens dignas de faraós.

 

Em procissão, ao som de cantoras e da orquestra sinfônica da Opera House do Cairo, homens e mulheres executavam belas danças, vestidos com uma indumentária leve (porém com as penas cobertas) de cores predominantemente azuis, os olhos marcados e adereços dourados que em muito remeteram a ideia popular de uma vestimenta egípcia [O GLOBO, 2023, s/p]. Bastava uma imagem, e o ideário popular construído por grandes filmes como Cleópatra [1963], faria o espectador associar aquele momento a um passado do Egito antigo, agora vivo, pulsante e mais uma vez deslizando pelos bancos orientais do Nilo estavam egípcios a acompanhar seus faraós e suas rainhas.

 

Também estavam no desfile carruagens puxadas por dois cavalos conduzidas por homens vestidos de túnica branca com adereços dourados. A carruagem em si, muito semelhante àquela encontrada na iconografia associada a Ramsés II, mas também naquela encontrada na tumba de Tutankamon.  Ao longo das avenidas, plumas azuis com detalhes dourados e a logo identificadora so evento no topo, maiores que homens, ladeavam o festejo. Uma reprodução adaptada da famosa pluma de Maat, princípio do Egito Antigo ligado à “[...] à justiça, à ordem e ao equilíbrio. Representava a ética segundo a qual a humanidade deveria agir em concordância com uma consciência universal.” [BRANCAGLION, 2004, p.139].

 

Cenas filmadas no Novo Museu Nacional da Cultura Egípcia foram apresentadas, mostrando sua grandiosidade, assim como as tecnologias aplicadas no estudo e conservação da cultura material ali guardada [EXPERIENCE EGYPT, 2021, s/p]. Ademais, dentre os diversos momentos, um deles também merece ser comentado. O presidente egípcio e muçulmano recebeu as múmias com cerimônias de Estado ao postar-se diante das carruagens enquanto estas passavam, recepcionando aqueles faraós e rainhas [EXPERIENCE EGYPT, 2021, s/p]. O momento capitalizou não apenas uma reverência aos líderes faraônicos do Egito, mas também associou a figura do presidente Abdul Fatah Khalil Al-Sisi e do próprio Egito ao seu passado faraônico, e não apenas islâmico, clamando para si a história de uma das mais antigas sociedades do mundo. Diante desta breve descrição, o pensemos, então, sob os ensinamentos de Baudrillard.

 

Ato IV: A Simulação faz-se Simulacro (?)

Se educacionalmente, nas escolas egípcias o ensino de hieroglifos faz  necessária a tradução da escrita do Egito Antigo para o árabe, politicamente, o presidente Al Sisi precisa traduzir a História Antiga de seu país para um constructo que abrace uma gama maior de interlocutores. Equilibrando os países ocidentais, ainda saudosos do Egito Eterno [PIRES, 2019], com grupos internos  do país, como a maioria de egípcios árabe muçulmana e minorias, de importância, como os egípcios cristãos, coptas, minoria “construída como legítima sucessora do Egito faraônico no início do século XX [...] ” [HORDURY, 2003, p. 154 – 158; REID, 2002, p. 258 – 285; REID, 2015, p. 212 – 218; apud LANGER, 2021, p.255]. Alguns aspectos dessa complexidade ficam evidentes ao analisar o Desfile Dourado dos Faraós.

 

Mas, e como Baudrillard nos ajuda a entender esse jogo de equilíbrio, de um Egito que tenta dialogar, agradar, interlocutores em diferentes frentes, enquanto se afirma como detentor legítimo do legado faraônico? Como o desfile se encaixa nesse propósito? Para tentar responder a estes questionamentos, vamos nos apropriar e discutir  os conceitos de Simulação e Simulacro, formulados pelo autor.

 

É inegavelmente estranho fazer agenciar conceitos que inspiram obras contemporâneas, como os filmes Matrix, para falar de Egito Antigo e de seus usos no presente; no entanto, o próprio autor se adiantou ao conversar o conceito de Simulacro com  a múmia de Ramsés II, na segunda parte do primeiro capítulo de seu livro Simulacro e Simulação. (BAUDRILLARD, 1991, p.13 – 18). A múmia do faraó, naquela análise, aparece enquanto um Simulacro de si. Enquanto um corpo, que até há pouco havia sido deixado de lado em algum museu, mas que na iminência de sua perda faz-se necessário trazer-lhe de volta à vida. Uma vez que, mesmo desprovida de vida, ela é Ramsés II. De modo que não importa o homem que uma vez viveu, o Ramsés do passado, ou se aquele corpo realmente lhe pertenceu. Nós o reconhecemos como real, de tal modo que: aquele é Ramsés (hiper)real.

 

De maneira diferente, o Desfile Dourado dos Faraós foge a categoria de simulacro, adentrando, em contraponto, no conceito de Simulação. “Simular é fingir ter o que não se tem.[...] uma ausência” [BAUDRILLARD, 1991, p.9-10]. Essa, se tenta preencher no Museu Nacional da Civilização Egípcia, em verdade, no percurso comemorativo que leva até ele. As bigas e seus condutores, as Cleópatras, as barcas que levam os corpos mumificados e os cânticos entoados, todos esses simulam a presença de um passado que já não é.

 

Entretanto, dos homens que conduzem as bigas, às mulheres vestidas de Cleópatra e, até mesmo, nós, contribuímos para que a Simulação não se faça Simulacro. Se acreditamos piamente que a múmia de Ramsés, é Ramsés II, o mesmo não acontece com o desfile. Tanto nós, quanto os participantes, sabemos que aqueles não são guerreiros da antiguidade, que aquelas não são Cleópatra e que aquele não é um cortejo egípcio antigo. Apesar de buscar se ancorar em fatos históricos, o desfile, com diferentes níveis de fidelidade, — que não são ingênuos — apenas os simula. Todavia, o assunto se mostra mais complexo, “pois simular não é fingir: ‘Aquele que finge uma doença pode simplesmente meter-se na cama e fazer crer que está doente. Aquele que simula uma doença determina em si próprio alguns dos respectivos sintomas’” [BAUDRILLARD, 1991, p.9-10].

 

E quais são os “sintomas” que o Egito atual determina em si próprio? O evento de 2021, recorre à história, fatos e artefatos históricos que norteiam, oferecem referencial e veracidade a tudo aquilo que está ocorrendo. Como aponta Francismara Lélis [2021, p.114], em momentos do cortejo, assim como em apresentações, dançarinas performam  uma coreografia cujos movimentos remetem à iconografia do Egito Antigo. Assim, é mantida uma ligação ao Real, a fonte histórica.

 

Entretanto, assim como a Simulação de Jean Baudrillard não demanda exatidão e fidelidade, apenas algum vínculo ao Real, a performasse descrita não propõe a exatidão, mas a referência. Uma vez que “[...] o posicionamento dos corpos na arte oficial do Reino Novo não objetivava retratar movimentos, mas deixar visível o máximo dos membros dos corpos representados, sem sobrepô-los nem os esconder” [LÉLIS, 2021, p.114]. A iconografia não representa dança, mas torna-se. Um Simulação inexata não necessariamente ocorre como erro ingênuo, mas como adaptação com fins artísticos, ideológicos ou, mesmo, políticos. Nos atentemos ao que aponta Lélis:

 

“O desfile dos faraós utilizou aspectos orientalistas que podem comover a população egípcia, mas principalmente o público ocidental, se servindo de símbolos familiares ao imaginário do público estrangeiro, como o cortejo de mulheres com figurinos que remetem à figura de Cleópatra interpretada por Elizabeth Taylor no filme de 1963” [2021, p.114].

 

“Os impérios europeus construíram a concepção do Egito como precursor da civilização ocidental e, dessa forma, como seu apêndice natural” [LANGER, 2021, p. 247]. A afirmação de Langer torna-se aqui importante para compreender o invocar de signos que a primeira vista nos parecem estranhos: um país de maioria árabe invocando imagens orientalizadas, tomando o conceito de Said, para falar sobre si. O Egito moderno evoca o mito do “Egito Eterno” (Pires, 2019) para capitalizar o seu passado via turismo, um dos maiores geradores de receita para o país [LANGER, 2021]. Assim, não seria estranho nos depararmos com o apontado por Lélis acima sobre a figura da Cleópatra. Ao retratar a rainha, não se retrata diretamente a original, a qual nem mesmo conhecemos o rosto, se retrata a Elizabeth Taylor performando Cleópatra; uma simulação de uma simulação. Uma mescla de signos possíveis de serem reconhecidos pelos próprios egípcios, pelo ocidente e pelo oriente.

 

Como essas simulações do Egito lá da História Antiga migram à Simulacro? Nossa hipótese, amparada em nossa aplicação dos conceitos de Baudrillard, é que se tenta criar uma realidade no presente, que, apesar de inspirada em signos do passado “real”, se desconecta dele. Explicamos: o primeiro Egito, o faraônico, já não existe. Temos acesso a fragmentos dele por meio da história e arqueologia. Disciplinas geradoras de um segundo Egito, o egiptológico, que como um quebra-cabeça com peças faltantes, nos oferece vislumbres incompletos do primeiro, por meio das fontes literárias e materiais. O terceiro Egito, do discurso, apesar de falar sobre o primeiro, o acessa intermediado pelo segundo. O que ele cria é filtrado subjetivamente, por interesse, ideologia ou escolha, exaltando certos aspectos, enquanto deixa outros de lado. O quarto, é a versão do Egito que se visa criar e do qual o Desfile Dourado oferece evidências: um Egito mais real que o real. Um Simulacro.

 

O segundo e o terceiro “Egitos” são Simulações, versões que mimetizam o primeiro com diferentes graus de fidelidade, mas que mantém sempre o Egito original, faraônico, enquanto âncora. O Simulacro, por sua vez, não é ancorado no Egito real, suas referências estão em um Egito idealizado, que não existiu para além da narrativa, discurso ou do mito. E é esse ideal que se tem em vista materializar, tornar real.

 

Ato V: Encerramento

Na velocidade da era tecnológica moderna, as transmissões simultâneas em diferentes línguas, a cobertura jornalística, os turistas, as fotos e as redes sociais, permitiram ao Desfile Dourado dos Faraós percorrer muito mais que os 7 quilômetros entre museus. Ele percorreu o mundo, mas não sozinho. A escolha de locais, figurinos, músicas, do que foi dito, assim como das pessoas, visou criar  imagens específicas sobre o Egito, buscou-se criar discursos. Esses, não apenas como falas sobre a realidade, mas como tentativa de instituir um real. Uma realidade hiper-real, pois não mais é ancorada no Egito original, no passado, mas em um discurso sobre esse. Um Simulacro.

 

A partir desse, o Egito moderno tenta, assim como fez a França quando  do surgimento da ciência egiptológica, parafraseando Langer, inserir-se em uma tradição da “outrora grande” civilização egípcia. A partir de uma suposta missão de restaurar o país à grandeza ancestral. [LANGER, 2021, p. 247]. Essa busca visa fazer encontrar o Egito do presente, com o Egito do passado idealizado. Visa exaltar o nacionalismo e fazer entender-se, diante dos observadores externos, herdeiro digno e legítimo do legado faraônico. Cunhar linearidade entre o passado islâmico e o passado dinástico, passando, entre eles, pelo passado dos cristãos egípcios, coptas. Cunhar bons termos, políticos e turísticos com oriente e ocidente para, por fim, transformar o Egito “Eterno”, o “Orientalizado” e o “Outrora Grande” em um novo Egito “Real”.

 

Referências

Allyson Silva é mestrando em História e Espaços pelo programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), bolsista CAPES (2023-2024). Licenciado e bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

 

Hannah Cabral é mestranda em História e Espaços pelo programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), bolsista CAPES (2023-2024). Bacharela em História e em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

 

BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relogio d'Agua,1991.

BRANCAGLION JUNIOR, Antonio. Manual de arte e arqueologia do Egito Antigo II. Rio de Janeiro: Sociedades dos Amigos do Museu Nacional, 2004.

CARMO, Mayara. Egito nos holofotes do Mundo com o Desfile de Ouro dos Faraós. Site Vida no Egito. [S.L.], 2021. Disponível em: https://vidanoegito.com/2021/04/07/egito-nos-holofotes-do-mundo-com-o-desfile-de-ouro-dos-faraos/. Acesso em: 28 jul. 2023

COSTA, Márcia Jamille. Egito dará aulas de hieróglifos para alunos do ensino fundamental e médio. Arqueologia Egípcia, 16 Abr. 2021. Disponível em: http://arqueologiaegipcia.com.br/2021/04/16/egito-dara-aulas-de-hieroglifos-para-alunos-do-ensino-fundamental-e-medio/ . Acesso em: 28 jul. 2023.

EGYPT TODAY. Egypt to introduce hieroglyphs into educational curricula next year. 05 Abr.. 2021 Disponível em: https://www.egypttoday.com/Article/4/100553/Egypt-to-introduce-hieroglyphs-into-educational-curricula-next-year  . Acesso em 28 Jul. 2023

EGYPT TODAY. BA organizes hieroglyphics training courses for teachers of Egypt’s primary schools. Disponível em: https://www.egypttoday.com/Article/4/100813/BA-organizes-hieroglyphics-training-courses-for-teachers-of-Egypt%E2%80%99s-primary  . Acesso em: 28 jul. 2023

EXPERIENCE EGYPT. Experience Egypt live stream - The Pharaoh’s Golden Parade. Youtube, 03 abril 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bnlXW7KZl0c&t=541s. Acesso em: 28 jul. 2023.

FOLHA DE S. PAULO. Desfile de múmias no Egito. 3 abr. 2021. Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1696045505788639-desfile-de-mumias-no-egito. Acesso em: 28 jul. 2023.

GUBASH. Charlene; CAHILL. Petra,  Egypt reopens 3,000-year-old Avenue of Sphinxes in grand, glitzy Luxor ceremony. NBC News. 25 nov. 2021. Disponível em: https://www.nbcnews.com/news/world/egypt-reopen-ancient-avenue-sphinxes-luxor-karnak-parade-rcna6723 Acesso em: 28 jul. 2023

LANGER, C. O colonialismo informal da Egiptologia: da missão francesa ao Estado de segurança. Mare Nostrum, [S. l.], v. 12, n. 1, p. 243-268, 2021

LELIS, Francismara de Oliveira. Quando os faraós desfilam no presente: a Marcha Dourada dos Faraós no Egito Contemporâneo. In: BUENO, André [org]. Mundos em movimento: Próximo Oriente. Rio de Janeiro: Projeto Orientalismo/UERJ, 2021, p. 111-118.

LE POINT. Spectacle pharaonique et défilé de momies royales au Caire. 03 abr. 2021. Disponível em: https://www.lepoint.fr/monde/ramses-ii-et-hatchepsout-au-grand-defile-des-momies-royales-au-caire-03-04-2021-2420562_24.php#11 . Acesso em:  28 jul. 2023.

O GLOBO. Veja como foi o desfile dourado dos faraós pelas ruas do Cairo capital do Egito. 08 abril 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/boa-viagem/veja-como-foi-desfile-dourado-dos-faraos-pelas-ruas-do-cairo-capital-do-egito-24960589. Acesso em: 28 jul. 2023

PASCHOAL, Nina; ASSUNÇÃO, Naiara; LELIS, Francismaria. Desfile Dourado dos Faraós (2021): Múmias, museus e identidade nacional egípcia. Revista espacialidades, [online], Natal, v. 18, n. 2, 2022.

PIRES, Rafael dos Santos. O mito do Egito Eterno: desenvolvimento acadêmico, impactos políticos. Faces da História, Assis/SP, v.6, nº2, jul./dez.,2019, p. 290-311.

6 comentários:

  1. Bom dia,
    Parabenizo a dupla pelo texto e a discussão muito interessante, afinal, é instigante ver como nações e grupos mobilizam a história como uma ferramenta política. Diante disso, pergunto: dentro do próprio Egito essa questão está sendo debatida? Ou seja, no Egito, os intelectuais estão debatendo os usos desse "passado faraônico" na política nacional?
    att: Krishna Luchetti

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    1. Ola, Krishna. Muito obrigado pela pergunta.

      No Egito, após a chegada do atual presidente ao poder, há um incentivo a produção de egípcios sobre o Egito. No entanto, as análises de relação e usos políticos desse passado, pelo que temos conhecimento, vem sendo feita por agentes externos. Como exemplos, o Christian Langer, no caso da Alemanha, (https://pku.academia.edu/ChristianLanger), e o Rafael Pires, no caso do Brasil, (https://usp-br.academia.edu/RafaelPires).

      No caso de egípcios, alguns nomes importantes da egiptologia egipcia fizeram comentarios, mas apenas sobre o evento em si. Nesse caso, o Zahi Hawass, Ex-ministro das Antiguidades do Egito e a egiptologa Salima Ikram (https://cairowestonline.com/the-pharaohs-golden-parade-egyptologist-salima-ikram-shares-insight/ ). Em geral, elogiosos e/ou sobre a complexidade do deslocamento e atributos do novo museu.

      att: Allyson Afonso dos Santos Silva e Hannah Cabral Dantas de Barros Teixeira

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  2. Parabéns pelo texto, Allyson Afonso e Hannah Cabral. A explicação do evento que foi a Pharaoh’s Golden Parade a partir dos conceitos de simulação e simulacro de Baudrillard é excepcional. Em um momento vocês falaram sobre como o Egito Antigo e suas iconografias são utilizadas no Egito contemporâneo para justificar e exaltar elementos do presente, como que marcando uma continuidade histórica. Assim, o desfile, além de ser simulacro, seria mais um discurso que legitima o presente por meio do passado. Ao ler o texto eu fiquei pensando como esse simulacro autorizou uma determinada identidade egípcia atual (árabe) e deixou de fora outras que não seriam tão interessantes para caracterizar esse Egito Real. Nesse sentido, eu gostaria de saber se vocês se depararam, no desenvolver dessa pesquisa, com reações negativas de egípcios em relação ao evento e, caso existentes, quais foram os principais pontos de crítica.
    Alaide Matias Ribeiro

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    1. Olá, Alaíde.

      Reações negativas, não. Ao menos não diretamente.

      No artigo de Nina Ingrid Caputo Paschoal, Naiara Müssnich Rotta Gomes de Assunção e Francismara de Oliveira Lelis, O DESFILE DOURADO DOS FARAÓS (2021): Múmias, museus e identidade nacional egípcia, de 2022, se levanta a questão de qual a mensagem o governo de Al Sisi busca passar para a população egípcia, tendo me vista as relações conturbadas que seu governo tem com grupos islamitas como a Irmandade Muçulmana e o Partido Salafista, considerando que o Egito é um país árabe de maioria islâmica, mas que nenhuma das mulheres no desfile usa hijab, com exceção da percussionista Radwaal-Behairy, que estava de turbante. As autoras consideram como uma possível tentativa de evitar críticas religiosas por parte do ocidente.

      Outros destaques sobre o Desfile são em artigos em jornais e revistas, um no Egypt Independent, que destaca a representação feminina no desfile, e o que mais se aproximaria de uma crítica, um artigo da TRT World, emissora turca, que destaca uma possível contradição entre a visão islâmica do Egito Antigo e a exaltação pública desse mesmo Egito Antigo, em um país de maioria religiosa islâmica.

      “Egypt condemns pharaohs in the mosque, celebrates them on the streets” https://www.trtworld.com/magazine/egypt-condemns-pharaohs-in-the-mosque-celebrates-them-on-the-streets-45620

      “Percussionist Radwa al-Behairy praises women’s representation in Golden Parade” https://egyptindependent.com/percussionist-radwa-al-behairy-praises-womens-representation-in-golden-parade/

      O DESFILE DOURADO DOS FARAÓS (2021): Múmias, museus e identidade nacional egípcia https://periodicos.ufrn.br/espacialidades/article/view/28192

      Att : Hannah Cabral Dantas de Barros Teixeira e Allyson Afonso dos Santos Silva.

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    2. De fato, estava a imaginar uma possível reação negativa por parte de grupos religiosos mais conservadores, especialmente, considerando a indumentária das mulheres que performaram no desfile. Obrigada pela resposta e pelas referências.
      Alaide Matias Ribeiro

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