O PAN-ASIANISMO, A ÁSIA FRENTE A SI: UM BREVE COMPARATISMO por Breno P. Andrade

           

O pan-asianismo nos remete a um ideal de união e solidariedade entre os povos asiáticos, fundamentada em traços compartilhados de identidade, história e cultura, mediante o resgate dos valores asiáticos. Entrou em voga pela necessidade de fortalecimento regional e reação defensiva ao imperialismo europeu quando as relações Ásia-Europa enfraqueceram ainda mais com o estopim das Guerras do Ópio em 1839. O protagonismo do Japão como líder regional revelou o uso da retórica pan-asiática para exploração colonial da Ásia Oriental aos moldes ocidentais enquanto tinha as justificativas para negar tal afirmação. Este artigo traz breves considerações sobre a historicização e conceitualização do pan-asianismo de acordo com os estudos organizados por Sven Saaler e Christopher Szpilman frente às controversas ideias de Ásia de Amitav Acharya. Propondo um olhar aliado ao procedimento da história comparada, complementando o debate atual da ascensão da Ásia. Oferecendo-a como método e objeto de análise das relações internacionais para ir além da binarização com o Ocidente. Contribuir, por fim, com o preenchimento de lacunas bibliográficas existentes na literatura em língua portuguesa.

 

Pensando a Ásia

Acharya (2010) expõe que é consensual na literatura o termo Ásia como uma construção do colonialismo europeu. Sua cunhagem remonta à Grécia Antiga das Guerras Médicas (séc. V e IV AEC) referindo-se aos territórios para além da Anatólia. Tornou-se subsequentemente uma denominação geral europeia para designar as terras à leste. Contudo, mesmo atualmente, não é consensual onde a Europa “termina” e a Ásia “começa”. Os componentes culturais, religiosos, linguísticos, sociais, geográficos e políticos, as rivalidades internas e a escassez de uma integração “ao estilo ocidental” tornam diversas as interpretações sobre fronteiras. Nomenclaturas não eram consensuais. Os hegemônicos nomeavam embasados em seus interesses e esferas de influência, na evidente diferenciação “nós e eles”, fruto de tradição historiográfica sistematizada por Hegel, Marx, Adam Smith, Montesquieu, entre outros. Pela força decorrente das interações entre Europa e o sistema tributário de estados centrado na China, Ásia Oriental e Extremo Oriente aparecem com frequência.

 

Os asiáticos apreenderam Ásia relativamente tarde, suas primeiras aparições remontam mapas jesuíticos na China, por volta de 1600. Seu uso recorrente e assimilação na língua falada e escrita, porém, ainda levariam mais de dois séculos. A contínua expansão territorial, militar, econômica e diplomática do Ocidente e a ofensiva britânica que rendeu a China em 1860 evidenciaram pretensões imperialistas; a Europa e o Ocidente tornaram-se ameaças por todo o continente. A reação asiática foi o esvaziamento de Ásia do tecniquês dos cartógrafos para significação de um espaço geopolítico interligado por traços compartilhados de história conjunta, ligações culturais, comerciais e diplomáticas próximas e a noção de destino comum. Ensaios, discursos políticos, slogans populares, canções, poemas e uma agenda de uma Ásia unida refletiam sentimentos de solidariedade e cooperação partilhando um objetivo: resistir ao avanço da influência e dominação ocidentais.

 

A nomenclatura da região pode ter sido importada, não podendo dizer-se o mesmo da realidade de seus povos. Logo, Ásia não poderia ser reduzida à uma simples construção externa nem como apenas reação defensiva à dominação ocidental, posto que foi e é continuamente imaginada de dentro, em um complexo justaposto de desdobramentos históricos. A Ásia como antítese do Ocidente marca o princípio e o caminhar do pensamento pan-asiático. Contudo, as cosmovisões japonesa, chinesa, coreana e indiana frequentemente divergiam sobre os valores asiáticos regentes de uma Pan-Ásia.

 

O Pan-Asianismo

Saaler e Szpilman (2011) trazem alguns dos princípios norteadores da solidariedade asiática. O princípio étnico foi um deles, em uma concepção ocidental de unidade étnica dos amarelos. Outros tendiam a enfatizar similitudes em história compartilhada, cultura e língua - principalmente a escrita -, especialmente no extremo oriente pela influência do sistema tributário sinocêntrico. Os movimentos pan emergentes simultaneamente na Europa e na América eram vistos como possíveis modelos a seguir. Independente da abordagem, evidencia-se a ênfase comum em transnacionalismo com forte viés anti-ocidental. O transnacionalismo coloca o conceito de nação à prova na Ásia. A construção epistemológica ocidental do termo alicerçada em liberalismo e individualidade era vista com ressalvas. Experimentações anteriores às relações com a Europa, embasadas nos valores confucianos de coletividade, previsibilidade e prosperidade compreendiam o indivíduo como dotado de sentido pois existe e age a partir do seio da família. A família parental sendo parte de uma família estendida - trabalho e círculo social - e finalmente a sociedade como a mais abrangente. O pan-asianismo seria o estágio final da extensão da família.

 

Instrumentalmente a cooperação pan-asiática se moldou em associações fundadas por todo o Leste, principalmente no Japão, onde exilados e estudantes de diversas partes interagiam. Buscando apoio para seus movimentos de independência nacional enquanto nutriam uma consciência comum sobre a Ásia. Socialistas e anarquistas chineses, japoneses e indianos fundaram a Asiatic Humanitarian Brotherhood em Tóquio em 1907; japoneses e muçulmanos instituíram o Asian Congress em 1909; e a Pan-Turanian Association de 1921 clamava o apoio japonês pela unificação dos turcos da Ásia central e libertação do domínio russo. Nas Filipinas, pan-asianistas japoneses que defendiam o movimento de independência de Emilio Aguinaldo desde 1898 formaram em Manila a Pan-Oriental Society em 1915. Conferências pan-asiáticas realizadas na China, no Japão e no Afeganistão a partir de 1920 foram palco de encontros internacionais. Publicações e periódicos em larga escala por Japão, China, Índia e Sudeste Asiático mas também na Alemanha, Itália e EUA ilustram a interconexão dos movimentos antiocidentais.

 

O Japão como epicentro das manifestações pan-asiáticas ocorreu tanto por motivos internos quanto pela situação das relações internacionais. Elites japonesas e ativistas pan-asianistas concordavam sobre a modernidade e os avanços tecnológicos atingidos pelo Japão, não verificados em outras partes da Ásia. A dinastia Meiji, “divina [e] ininterrupta por eras imemoriais" [SAALER; SZPILMAN, 2011, p. 9] o tornava moralmente superior à China, tornando-o o escolhido para liderar a Ásia contra o imperialismo ocidental. Externamente, com a China enfraquecida pela derrota para os britânicos, a vitória japonesa contra a incursão militar do Império Russo na Manchúria e na Coreia em 1905 poderia representar o início da preponderância do Japão na conjuntura internacional. Um desafio regional adicional seria estabelecer um novo regime promovendo a "descentralização da China", apoiando-se na ideologia aparentemente mais moderna do pan-asianismo enquanto aglutinador. Embora as primeiras formas de pan-asianismo evocassem solidariedade e cooperação em termos iguais, o Japão optou por expandir seu poder militar e territorial sob a égide de uma orientação aparentemente paternalista. O Kingly Way e o slogan To make the world one household exalavam confucionismo. O imperador do Japão, como pai ou irmão mais velho, norteador de um governo regional benevolente e conselheiro dos povos sob seu domínio - Coreia, Taiwan e Manchúria, os irmãos mais novos. A anexação e assimilação da Coreia em 1910 sob laços ancestrais de cultura e sangue decorreu da tentativa de reversão dos dois povos ao status antigo de “um ser homogêneo”. O Japão defendia certa independência dos novos territórios e, portanto, suas práticas não poderiam ser comparadas àquelas ocidentais.

 

A Realpolitik e a teoria geopolítica do alemão Karl Haushofer impulsionou a ideia de que o Império do Japão era a personificação do pan-asianismo. Se vendo como melhor reflexo da consciência asiática, a ideia japonesa de Ásia era, intrinsecamente, a ideia da ascensão do Japão sobre seus entornos. Verificamos, assim, o entrelaçamento entre pan-asianismo e a representação relativa de Ásia apontada por Acharya. Com a Doutrina Amau, o pan-asianismo japonês ergueu uma Doutrina Monroe Asiática para reivindicar sua própria centralidade através de práticas imperialistas, mobilizando recursos humanos, materiais e tecnológicos de suas colônias para seus esforços de guerra. A exploração econômica sob o manto da benevolência paternalista contribuiu significativamente para o descrédito do pan-asianismo. Para os povos subjugados o domínio japonês não era substancialmente diferente do ocidental. A Coreia se viu em enormes suspeições do pan-asianismo enquanto máscara para pretensões imperialistas japonesas. Ahn Choong Kun, condenado à pena de morte pelo assassinato do príncipe japonês Ito Hirobumi, escreveu um dos primeiros ensaios sobre pan-asianismo ainda em 1910. Sugere uma Ásia unida através de aliança transnacional militar e uma moeda única como preparação para uma guerra entre as etnias branca e amarela. Sob o domínio japonês, o apelo do pan-asianismo para os coreanos foi bastante limitado, mas não completamente exíguo. Intelectuais coreanos seguiram defendendo uma comunidade pan-asiática mais ampla e coexistência entre as culturas coreana e japonesa.

 

Na China, o nacionalista Sun Yat-sen discursava abertavamente sobre valores asiáticos em justaposição ao imperialismo europeu e japonês, clamando o Japão a não desenvolver o pan-asianismo mediante imperialismo e materialismo, mas via valores asiáticos como ética, benevolência e retidão. Isso pois, quanto mais envolvido na Segunda Guerra Mundial o Japão estava, mais tendia a reforçar o pan-asianismo de suas ações. O acadêmico e revolucionário Zhang Taiyan descreveu o Japão como o "inimigo público" da Ásia, rejeitando o esquema simplista de “asiáticos amarelos oprimidos contra opressores brancos" e enfatizando a "dupla escravidão dos chineses" [SAALER; SZPILMAN, 2011, p. 22].  A Grande Guerra do Leste Asiático, assim denominada pelo Japão como forma de libertar a Ásia, foi ressignificada pelos chineses como Guerra de Resistência contra a Agressão Japonesa. O jornal New Asia de 1930 alegava que a “recuperação da China é o ponto de partida para a regeneração dos povos asiáticos” [ACHARYA, 2010 p. 36]. No caso da China, a recuperação e ascensão da Ásia estavam exclusivamente ligadas à reformulação do estado chinês.

 

A Índia não era alvo colonial do Japão, logo, o pan-asianismo deixou um legado menos negativo. Tentativas de assegurar a independência da Índia com endosso japonês resultaram em ligações próximas com o Japão. Quando das manifestações contra a Lei de Exclusão Asiática dos Estados Unidos, o nacionalista Rabindranath Tagore falou abertamente a favor da unidade pan-asiática para públicos de milhares, convocando-os a “despertarem [...] contra esse insulto monstruoso e desumano” e a erguer um "Império da Ásia [...] que entraria com força na arena da política mundial" [SAALER; SZPILMAN, 2011, p. 24]. O imperialismo japonês, entretanto, foi duramente criticado por Tagore como imitação das práticas ocidentais. No Pós-Guerra, o discurso de Mahatma Gandhi quando da Conferência das Relações Asiáticas em 1947 reitera que “a mensagem da Ásia […] não deverá ser aprendida pelos espetáculos do Ocidente, nem imitando seus vícios, seu uso da pólvora e da bomba atômica” [ACHARYA, 2010 p. 35].

 

O Ocidente e o Pós-Segunda Guerra

Quaisquer movimentações para uma união asiática representariam um perigo para expansão europeia pelo continente. Na virada do século, escritores ocidentais já mencionavam uma possível Liga Pan-Asiática, chegando a alertar para o perigo amarelo vindo do Oriente. Em documentos oficiais e declarações na imprensa, o Japão tendia a ser extremamente crítico a tentativas de uma integração asiática sob o perigo de minar suas relações com as potências ocidentais. Alianças econômicas com a Inglaterra eram o núcleo das políticas externas do Japão e poderiam entrar em águas frias caso transparecesse atividade japonesa em um pan-asianismo. Assim, materiais publicitários oficiais eram publicados em segredo na China e na Coreia enquanto jornais japoneses para o exterior classificavam possíveis uniões asiáticas como “inúteis e imprudentes” [SAALER; SZPILMAN, 2011, p. 16] Diplomatas enviados para o oeste frequentemente dissuadiram o Ocidente declarando seus entornos como fracos e ridicularizando possibilidades de liderança japonesa na Ásia.

 

Por outro lado, uma possível aliança asiática era vista com bons olhos pelos entusiastas ocidentais da teoria geopolítica de Karl Haushofer. O conceito de autarquia - núcleo da teoria -, aliado ao espaço vital de Friedrich Ratzel, pressupunha a extensão da esfera de influência para além das fronteiras geográficas, garantindo a autossuficiência na aquisição de produtos e matérias-primas para alcançar modernização industrial rumo à prosperidade. Em 1924, como editor da Zeitschrift für Geopolitik, e após contato direto com Sun Yat-sen e Tagore em missões diplomáticas, homenageou o movimento pan-Asiático, vendo-o como mais uma prova de sua teoria, já em curso na Alemanha. Uma tendência em direção a uma futura ordem mundial dominada por Pan-Regiões, substituindo a ordem estabelecida pelo Estado-nação soberano. Mais além, Haushofer propunha uma coalizão continental-oceânica entre os poderes terrestres da Alemanha e URSS e o poder naval japonês “capaz de arrebatar das potências insulares [a Inglaterra] a preponderância mundial” [MELLO apud BRIGOLA, 2023. p. 54].

 

As Pan-Regiões de Haushofer
Fonte: Brigola (2023)

 

A bipolaridade capitalismo contra comunismo do pós-guerra não deixava espaço para debates sobre integração regional. Os EUA impuseram tratados de não-agressão com o Leste Asiático, provocando a demissão dos pan-asianistas das instâncias governamentais japonesas e o esfacelamento de instituições. Intelectuais como Shimizu Ikutaro argumentam que a ofensiva nuclear estadunidense retrocedeu o Japão à mera economia agrária e que “os japoneses são, efetivamente, asiáticos” [SAALER; SZPILMAN, 2011, p. 28]. O ideário pan-asiático foi preservado no Japão nas críticas da esquerda política e também entre nacionalistas que abandonaram suas expectativas nas possibilidades do socialismo.

 

O Japão fora do jogo abria brechas para que outras nações asiáticas protagonizassem o debate de acordo com suas ideias de Ásia. O Movimento dos Não-Alinhados e a Conferência de Bandung de 1955 retomaram ideias de uma Pan-Ásia com lideranças asiáticas e africanas como Jawaharlal Nehru (Índia), Gamal Abdul Nasser (Egito) e Joseph Tito (Iugoslávia). Também para evitar uma supremacia desse movimento na região, o Sudeste Asiático imaginou uma associação regional sem a participação dos hegemônicos China e Índia. Foi o primeiro passo na criação da ASEAN, com histórico mais coeso de longevidade que a breve Organização das Relações Asiáticas, nascida no berço da Conferência de Nova Delhi de 1947. Fica evidente que aqueles que celebraram seus movimentos de independência e tentativas de unidade, nacional ou transnacional, imaginavam sua dominação sobre o resto da Ásia. Contudo, a experiência japonesa descredibilizou a retórica da cooperação: legando-a a sinônimo de imperialismo. Logo poucos esforços de pesquisa e reestruturação do pan-asianismo foram realizados após 1945.

 

Reflexões para a contemporaneidade

O desenvolvimento econômico dos Tigres Asiáticos e a influência da China reacenderam o discurso asiático. A trajetória do pan-asianismo nos ensina, entretanto, que confundir Ásia com o seu discurso de ascensão pode obscurecer diferenças nacionais e subnacionais e obstruir a construção de uma episteme factual e compreensiva das dinâmicas regionais. Em uma série de entrevistas com especialistas japoneses, vietnamitas e indonésios para o Asan Institute for Policy Studies, Choi Kang e Lee Jaehyon (2018) apontam que demandas sub regionais têm tido maior relevância ao comparar a política externa de Barack Obama com a da China. Nações asiáticas queriam uma colaboração forte com os EUA em termos de segurança, enquanto resistiam ao engajamento militar contínuo ocidental. Similarmente, desejavam participação norte-americana em fóruns multilaterais com protagonismo reduzido. Os EUA deveriam reconhecer as entrelinhas da diversidade asiática e ter mais especialistas e interessados na região em posições de poder na Casa Branca como foi no primeiro governo Obama; no segundo, a Ásia disputou atenção com outros interesses globais como Oriente Médio, Crimeia e Iraque. Com baixa assiduidade em encontros asiáticos e maior ingerência em assuntos domésticos, é comum as nações do Sudeste Asiático se sentirem desconfortáveis e recorrerem à China, menos crítica à questões internas, mais assídua em fóruns e propensa a entender seus entornos para propor iniciativas. Possivelmente o legado do pan-asianismo tenha lecionado à China sobre interação com os vizinhos sem transparecer ameaça.

 

Para o taiwanês Kuan-Hsing Chen, a falta de estabilidade ontológica acarreta políticas de representação do continente que divergem em relação ao significado de Ásia. Rosana P. de Freitas aponta que “no Japão e na Coreia do Sul, Ásia quer dizer China, às vezes Índia. Já a China considera-se ainda o centro, [...], pois termina impondo certa geografia imaginária.” [FREITAS, 2016, p. 45] A problemática se encontra em estabelecer a narrativa ocidental de poder político - ascensão e queda das nações como tradição epistemológica universalista - e uma ideia civilizacional e emancipatória na Ásia pois não é possível tratar da dicotomia Ocidente x Oriente em termos binários. Ou tratar da Ásia como mera soma das partes. É necessário inter-referenciá-la a partir de dentro, tendo-a como meio de pesquisa -  não somente como objeto de análise - multiplicando os pontos de referência, comparando historicamente o colonizado fora do espectro hegemônico. Transitando na ponte entre o poder político cautiliano, comunitarismo confuciano, idealismo nehruviano e pluralismo kantiano, a Ásia será continuamente construída tanto de dentro quanto de fora. Acharya argumenta que uma narrativa mais abrangente e realista deveria ser centrada nas pessoas e suas relações com os entornos de maneira a refletir um senso genuíno de regionalidade asiática. Estados pequenos e populações vulneráveis têm muito a temer em um discurso de ascensão da Ásia e em um pan-asianismo comandado por vizinhos ricos, poderosos e autoritários. É importante abandonar o vício de emular sempre o norte pois nem a geografia ou geopolítica, nem poder e prosperidade, são bases suficientes para clamar a relevância da região.

 

As relações entre Saaler e Szpilman frente à Acharya colocam à prova a visão tradicionalista ocidental de toda uma região e seus conflitos particulares. Os primeiros ocupam-se de uma revisão construtiva histórica do pan-asianismo enquanto o segundo revisita o pensamento pan-asiático em um olhar interno. A história comparada serve como ferramenta metodológica de análise das diferentes formas de abordagem. Patrick Boucheron (2015) propõe examinar os discursos hegemônicos contidos em uma escrita da história mundializada, postura muito recorrente na narrativa euro-atlântica. A opção ideológica aponta para um “mundo conectado” no qual todos os atores recebem tratamento desigual alicerçados em critérios pretensamente igualitários. Evidentemente, as experiências asiáticas não correspondem àquelas vistas no Ocidente. Jacques Revel (2015, pp. 21-29) propõe uma crítica à ideia de história do mundo observando valores e critérios instituídos pela Europa, na intenção de encontrar modernidade em outros territórios e culturas, transformando-os em instrumentos objetivos de avaliação de supostos êxitos ou atrasos. O método apresentado por Rosana P. de Freitas, ao lado das abordagens de história comparada, nos ajuda a resgatar o pan-asianismo do ostracismo histórico para a contemporaneidade através da auto referenciação. Abrindo caminhos para estudarmos a história da Ásia e suas demandas particulares para além das limitações estruturais da tradição epistemológica ocidental. Nossa proposta é observá-las numa postura não centralizada para uma compreensão ampla das diferentes visões de estar no mundo. Renovando as abordagens tomadas até então pelas Relações Internacionais e compatibilizando a produção de conhecimento às preocupações humanísticas da disciplina.

 

Referências

Breno P. Andrade é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com especialização em Direitos Humanos e Questões Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

 

ACHARYA, Amitav. The Idea of Asia. Asia Policy, no. 9, 2010, pp. 32–39. JSTOR. Disponível em http://www.jstor.org/stable/24904969. Acesso em 13 jul 2023.

BOUCHERON, Patrick; DELALANDE, Nicolas (orgs.) Por uma História-Mundo. Ed. Autêntica. Belo Horizonte, 2015.


BRIGOLA, Higor Ferreira. O Pensamento Geopolítico de Karl Haushofer. GEOGRAFIA (Londrina), [S. l.], v. 32, n. 1, pp. 49–60, 2023. DOI: 10.5433/2447-1747.2023v32n1p49. Disponível em:
https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia/article/view/46351. Acesso em 17 jul 2023.

 

CUNHA, Ester Almeida Carneiro da. Uma análise do pensamento autoritário-militar japonês a partir da perspectiva de Tojo Hideki. 2021. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Instituto de Relações Internacionais, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. DOI:10.11606/D.101.2021.tde-28042022-144953. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/101/101131/tde-28042022-144953/pt-br.php. Acesso em 13 jul 2023.

 

FREITAS, Rosana Pereira de. Rumo a um Novo Ancoradouro: Ásia como método. Revista Arte & Ensaios nº31. PPGAV/EBA/UFRJ. 2016, pp. 41-49. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/5286/3887. Acesso em 13 jul 2023.

 

HUI, Wang. A Reinvenção da Ásia. Le Monde Diplomatique, 2005. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-reinvencao-da-asia/. Acesso em 13 jul 2023.

 

KANG, Choi; JAEHYON, Lee (orgs.) Understanding Asia. What Asia Wants from the US: voices from the region. Asan Institute for Policy Studies, 2018, pp. 61–67. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/resrep20691.13. Acesso em 13 jul 2023.

 

SAALER, Sven; SZPILMAN, Christopher W. A. Pan Asianism: a documentary history. Volume 2: 1920-Present. Rowman & Littlefield Publishers, Inc. United Kingdom, 2011.

3 comentários:

  1. Olá! Um texto ilustrativo e que traz conhecimento, especialmente ao meu caso, professor de Educação Básica. Fico a pensar na questão do Pan-Asianismo. Por que será, quando há referência nos livros didáticos, geralmente, o há apenas do Pan-Africanismo? Será pela perspectiva dos estudos decolonais que se trouxe este ao debate e não o tema de vosso artigo? neste sentido, para o estudo da História da Ásia, no Ensino Médio, por exemplo, há permanências ou renovação do pensamento pan-asianista no período contemporâneo? Manoel Adir Kischener

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    1. Olá Manoel, boa tarde!

      Grato pelo seu comentário.

      De fato, as práticas imperialistas japonesas mancharam a reputação do Pan-Asianismo como aglutinador dos povos asiáticos num chamado de solidariedade. Qualquer movimento pela preponderância de um ou de outro povo já era vista com ressalvas, justamente pelo medo do ressurgimento de um imperialismo na região. No artigo do Acharya, ele também conta que em 1947 a Índia fez uma grande exposição chamada "Inter-Asian Exhibition Art" numa tentativa de mostrar a pluralidade das relações entre os povos na Ásia, mas as peças visivelmente mostram ligações entre a Índia e seus entornos, o que não foi muito bem visto pelas delegações asiáticas que participaram.

      De qualquer forma, esse descrédito levou ao apagamento do pan-asianismo nos estudos científicos, políticos e diplomáticos, o que abre brecha para que outros movimentos ganhem relevância como é o caso do pan-africanismo. É evidente que o crescimento econômico de cidades como Johannesburgo, Kinshasa e Addis Abada e a busca da pós-modernidade pela apreciação das raízes africanas contribuiu significativamente para que passemos a valorizar as demandas da região e enxergar mais possibilidades de atuação da União Africana.

      Acredito que a preponderância da China e sua atuação a nível mundial, com massivos investimentos e parcerias educacionais e estratégicas na África e na América do Sul centralizou as atenções
      no estado chinês e suas relações internacionais para além do continente. Por isso, o Pan-Asianismo se confunde hoje. Mas é possível afirmar que o legado do pan-asianismo ensinou muito a China sobre como interagir com seus entornos sem parecer uma ameaça. Em fóruns internacionais na Ásia, a China tende a não ser invasiva em assuntos domésticos e costuma dividir o protagonismo com outras potências da região como Indonésia e Coreia do Sul.

      Novamente agradeço o comentário e fico à disposição para novos questionamentos.

      Breno P. Andrade

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    2. Olá! Muito agradecido. Pedagógico e ilustrativo vosso comentário, pois acresceu. Vou acessar as referências indicadas. Manoel Adir Kischener

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