O EGITO COMO COSMÓPOLIS DO MUNDO ISLÂMICO A PARTIR DO RELATO DE IBN BAṬṬŪṬAH [1304-1377], por Pietro Enrico Menegatti de Chiara

  

Introdução

O século XIV é imerso em inúmeras complexidades e deslocamentos, tanto de pessoas quanto de culturas. Os oceanos, desertos, florestas não eram barreiras, uma vez que eram cruzados por várias ocasiões.  Uma figura que representa isso é Ibn Baṭṭūṭah [1304-1377], famoso viajante que dedicou quase toda a sua vida a deslocar-se. Quanto à distância percorrida, ele foi um dos maiores viajantes do período medieval. Muçulmano, nasceu em Tânger, em 1304, e dali partiria em viagem em 1325, com apenas 21 anos. Sua intenção era peregrinar a Meca, um dos pilares do Islã, entretanto ele foi além e percorreu grande parte do mundo conhecido na época. Ele passou pelo norte da África  até Cairo, chegou a Meca, Pérsia, Palestina, Iraque, Iêmen. Daí cruzou para a África pela região litorânea índica: esteve em Mogadíscio, Kilwa. Então retornou para a Península Arábica, visitando a Anatólia nesse momento. Depois parte para a Europa: leste europeu, sul da Rússia, Constantinopla. Depois vai de encontro rumo ao extremo oriente: Delhi, Malabar, as ilhas Maldivas, o atual Sri Lanka, o sudeste asiático e a China. Ele retorna para sua terra natal apenas em 1349, vinte e quatro anos depois de partir. Porém, logo viajaria para  al-Andalus [Península Ibérica] e atravessaria o Sahara rumo ao Império do Mali [Mànden Kúurufáaba].

 

Fonte: Waines, 2012

 

Ao todo ele percorreu mais de 100 mil quilômetros em mais de 30 anos de sua vida em viagem, não é à toa que ele era chamado de “príncipe dos viajantes”.  Para efeito de comparação com Marco Polo, famoso viajante veneziano, o marroquino deslocou-se uma distância cerca de três vezes maior. Ibn Baṭṭūṭah, ao retornar narraria sobre sua viagem para um poeta Ibn Juzayy[1321-1357] com o intuito de registrar a viagem, além de adicionar uma beleza literária e contribuir também com poemas e figuras de linguagem de modo a enriquecer a obra. A escrita foi possível também graças ao financiamento do sultão marínida Abū ᶜInān Fāris [1329-1358].  Contido no gênero riḥlah, o relato de viagens de Ibn Baṭṭūṭah também se preocupa em ser uma jóia literária [FANJUL; ARBÓS, 2017, p. 26] Entretanto, para a existência, o sucesso e o relato de uma viagem tão ambiciosa e bem sucedida foi imprescindível um contexto bem estabelecido para as viagens que foi construído pelo Islã.

 

Um dos pilares religiosos, afinal, cada fiel é recomendado a viagem à Meca, principal cidade islâmica, pelo menos uma vez na vida; a viagem institucionalizou-se e transformou-se em parte do modo de vida islâmico na medida em que ele consolidou-se. A religião, com início em um contexto de encontro entre beduínos nômades e assentamentos oásis no deserto, apropriou-se de diversas práticas locais e teve a hospitalidade realizada de forma pública e privada. Isso pode ser percebido tanto nos relatos de acolhimentos particulares por Ibn Baṭṭūṭah quanto de estruturas desenvolvidas por poderes estatais com objetivo de acolher a viajantes como o caravançará e a Zāwīah


Ao narrar a sua viagem, o relato possui as suas barreiras representativas e discursivas, afinal, o viajante não deixa de fazer recortes e silenciamentos.  Há  também o desafio de traduzir o universo do outro para o seu, isto é, o maghrebino islâmico . Pode-se vislumbrar uma estratégia de trazer o não familiar para o familiar.  Vale ressaltar que isso não é feito em total exatidão, afinal, cada cultura é única e descrever o outro a partir de si pode causar deformações.

 

Centro, Periferia e Transformações Históricas no Islã

O mundo Islâmico é complexo e possui as suas próprias contradições e movimentos históricos. Certamente, o jogo de poderes e as estruturas consolidadas são diferentes no período de expansão do Islã. Além da diferença temporal, há também a espacial, que revela inúmeras particularidades e associações a especificidades locais, como apontado por Geertz [2004] em sua análise da diferença do Islã do Marrocos e da Indonésia. O que se pretende elucidar aqui é que o mundo islâmico é dinâmico, isto é, interage com o ambiente de forma intensa e está sujeito a transformações imersas em seu conjunto das possibilidades materiais. Qualquer construção que insista em formas inertes e tratem tal complexidade como um bloco monolítico vai contra as contradições históricas e as particularidades espaciais.

 

O mundo islâmico possui diversos marcos em sua cronologia e o ano de 1258 é um deles, isto é, a invasão mongol de Bagdá. De maneira clássica, essa data é tida como o fim da era de ouro islâmica. A queda de Bagdá em 1258 criou um vazio ideológico no mundo sunita [Demant, 2004].  Com as ruínas do antigo centro, inclusive descritas tanto por Ibn Baṭṭūṭah, o Egito assumiu uma posição central islâmica em diversos aspectos. Um dos pontos mais simbólicos é quando, no século XII, tal local recebe o califado abássida restaurado. Como um fantoche, de fato, mas a figura do califa sempre foi dotada de grande poder simbólico, ainda mais em uma posição que marcaria um novo centro. Ademais, as rotas comerciais confluíram para o Egito de modo a colaborar com a circulação de riquezas e reunir pessoas de todos os lados da ummah [a comunidade muçulmana]. Não é à toa que Jean Claude Garcin [2010, p. 429] afirma que Cairo tornou-se a nova Bagdá, sendo capital de todos os países do Islã. O objetivo desse texto é justamente situar Ibn Baṭṭūṭah em meio desse centro de poder e perceber como tais aspectos descritos se fizeram presente na riḥlah

 

Relato de Ibn Baṭṭūṭah

Feita essa breve introdução ao personagem e ao recorte espacial, pretende-se agora partir para a análise de seu relato no Egito. Para tal, é importante localizar a rota e em que momento Ibn Baṭṭūṭah cruzou o Nilo e os arredores. Seu objetivo inicial era Meca, nesse sentido, percorreu o norte da África e  logo partiu para o Egito, rota usual dessa peregrinação . Esse era o caminho comum a se seguir a partir do e ele era apenas um dentre os inúmeros fiéis pertencentes ao mundo maghrebino, andaluz e subsaariano a realizar tal jornada.  Ele chegaria em Alexandria no dia 5 de abril de 1326 e ficaria cerca de 3 meses. Porém, não seria a primeira vez do viajante naquele território.  Portanto, Ibn Baṭṭūṭah optou por descrever o Egito mais profundamente, suas cidades, contar algumas anedotas na primeira vez em que ele chega ao Egito em sua narrativa. Vale ressaltar que ele está narrando a partir da sua memória a sua viagem cerca de 30 anos depois, e ele cria uma narrativa que tivesse uma maior verossimilhança e pode, por vezes, combinar fatos que aconteceram depois da sua primeira estadia. Como ele pretendia fazer o hajj, a peregrinação, a partir do Egito, havia duas maneiras comuns de chegar até Meca. A partir da Palestina, com o cruzamento do Sinai ou a partir do Mar Vermelho pelo Alto Egito após embarcar no Rio Nilo. Inicialmente, Ibn Baṭṭūṭah tinha a intenção de fazer a segunda opção, a partir do Mar Vermelho, mas ele retornaria a peregrinar a partir da Síria. Ele apresenta essa decisão como envolvida em uma previsão feita por um místico, o qual informou a ele que ele não conseguiria prosseguir nessa rota.

 

O itinerário dele já revela Miṣr [Egito em árabe] como uma parada lógica e crucial entreposto para a circulação nas terras na qual o Islã tinha controle político [dār al-islām], acordos [dār al-ṣulḥ] ou até para o dār al ḥarb [lugares no qual o Islã não tem controle político]. Pessoas de todos os locais circulavam em Cairo, a transformando em uma cosmópolis que reunia uma grande diversidade. Vale ressaltar que o mansa Musa, liderança malinesa que popularizou-se no mundo islâmico, antes de peregrinar à Meca, esteve no Egito. Ou então, os relatos da Geniza do Cairo que indicam presença de judeus das mais diversas origens e atuações. Ou seja, de judeus comerciantes da costa índica [Fauvelle, 2018] a lideranças islâmicas que tinham que cruzar uma enorme distância; Cairo reunia pessoas de todos os locais, tanto imersas ao Islã quanto fora.

 

O primeiro relato de Ibn Baṭṭūṭah de Cairo já demonstra que o cosmopolitismo já saltava aos olhos o suficiente para o viajante registrar como uma de suas primeiras impressões da cidade: “Ponto de encontro de caminhantes e viajantes, lugar de fracos e fortes, no qual pode encontrar-se o que gosta em ignorantes e sábios, sérios ou sorridentes, indulgentes ou insensatos, modesto ou nobres, de alguma linhagem ou plebeus, desconhecidos ou famosos.” [Ibn Battuta, 2017, p. 157, tradução minha] A capital é introduzida como um local das possibilidades, no qual é possível qualquer um encontrar o que quer a partir de uma ampla gama de pessoas ali existentes. As antíteses demonstram de forma poética um local vivo com habitantes que atendem qualquer extremo que o leitor procurar.

 

Outro relato em concordância com essa ideia é o do cemitério de Cairo:  “Neste cemitério do Cairo, estão enterrados tanto ulemás e homens piedosos que não se pode detalhar o seu número, assim como uma grande quantidade de discípulos do Profeta e personagens ilustres, antigos e modernos” [Ibn Battuta, 2017, p. 161 ,tradução minha]. Para responder logicamente à imagem criada, o cemitério deveria fazer jus ao Egito como cosmópolis e novo centro. A descrição dos mortos diz muito também sobre os vivos, afinal, colocar dentre os habitantes passados ulemás, homens piedosos e inúmeros personagens ilustres dá a entender, além da importância da cidade para o Islã, a existência e o potencial do local para tais figuras existirem ali. Nesse sentido, Ibn Baṭṭūṭah reforça o cemitério como um local de memória que resgata um passado tão vivo quanto o seu presente e em concordância com sua amplitude.

 

Outro local de memória curioso destacado pelo viajante é a cabeça de Ḥusayn Ibn ʿAlī, terceiro imã xiita e filho de ᶜAlī Ibn Ṭālib e um dos revoltosos contra a sucessão ocorrida no califado ortodoxo omíada, trazida pelos fatímidas. Se por um lado, Ibn Baṭṭūṭah insistia em uma imagem estigmatizada do xiismo focada na adoração excessiva da família do Profeta [Miquel, 1978, p. 78], citava o mausoléu que guardava a relíquia como um dos lugares dignos de visita [Ibn Battuta, 2017, p. 161]. Por mais que tal personagem tenha um caráter importante para os xiitas, não se pode descartar também uma comoção para os sunitas. [Hawting, p. 50, 2000] O tangerino não desenvolve mais, mas escolhe não silenciar esse importantíssimo local de memória que remete principalmente a adoração de um grupo não tão lembrado em sua riḥlah.

 

Quanto ao comércio, ele também revelava a amplitude de pessoas e produtos e a possibilidade de, a partir do Egito, ir para qualquer lugar do mundo. É evidente a confluência de rotas também no relato do viajante, além do já citado itinerário.  Mesmo com a troca de poderes, seja com os aiúbidas ou mamelucos, na época de Ibn Baṭṭūṭah, o Egito continuava sendo um importante ponto de ligação entre os vários continentes. O local tinha a oferecer os produtos do extremo oriente, tanto da rota da seda, das especiarias, do ouro que envolvia a África Subsaariana. O mapa a seguir retrata bem isso, mesmo fazendo um recorte no século XIV no contexto otomano.  

 

Fonte: Ruthven; Nanji, 2004

 

Como pode-se perceber, o Egito se constituía como um local importantíssimo para o chamado mundo medieval, sobretudo o islâmico e assumia uma centralidade tanto simbólica pelo fato de ser residência do califa, mas também comercial.   Em Cairo, era possível encontrar produtos e pessoas de boa parte do mundo conhecido da época. Já no século XII, o viajante judeu Benjamim de Tudela já destacava o intenso fluxo e o cosmopolitismo comercial egípcio a partir da sua descrição de Alexandria: “Alexandria é um mercado comercial para todas as nações. Mercadores de todos os reinos cristãos vêm para lá” [Benjamim de Tudela, 2017, p. 142]. A seguir, o viajante faria uma intensa descrição das nações que estavam presente nesse comércio que iam das terras cristãs, islâmicas e para o extremo oriente. Entretanto, desde a antiguidade é possível ver esse intenso fluxo e ele não é novidade no contexto islâmico. O relato de Benjamin mostra que ele era intenso antes mesmo de 1258. Porém, os muçulmanos o souberam explorar bem e extrair lucros com impostos.

 

Um mito importante a ser discutido que relaciona-se com tal questão é a normalidade da viagem e dos fluxos durante a Idade Média internamente e externamente na Europa. Como diz Hilário Franco Júnior [1999, p. 24], deve-se abandonar a imagem de uma Europa medieval de agricultura feudal fechada, isolada e autossuficiente. Ademais, as relações entre cristãos e muçulmanos são demasiadas complexas e não podem ser reduzidas a um conflito incessante. Leonardo de Pisa , mais conhecido como Fibonacci, por exemplo, teve contato com os números indo-arábicos no Norte da África em meio a viagens comerciais com seu pai. Há, inclusive, tratados dos almôadas com cidades comerciantes italianas [De Mas Latrie, 1865]. Há conflitos, mas reduzir o medievo a tais relações é criar uma imagem completamente inverossímil e sem embasamento. Sem tal filtro é possível compreender melhor a amplitude comercial do Egito, além do relato de Benjamin de Tudela que descreve à exaustão as regiões europeias que ele percebeu que tinham tal contato. Aliás, tal centralidade egípcia era reconhecida e não é toa a sucessão de conflitos como a Batalha de Diu realizada por Portugal visando o controle comercial. O avanço colonial europeu foi feito à sombra das antigas rotas muçulmanas com a suplantação dos muçulmanos [Rodney, 2010].

 

Outro ponto que marca o que foi levantado  é que no Cairo do século XIV havia um qāḍī, um juiz islâmico, de cada escola de interpretação jurídica sunita [madhhab] assessorando o sultão. São 4 escolas mais populares e consolidadas no modo de lidar com a sociedade e cada uma costuma ter um território majoritário no mundo islamico. São elas a Ḥanafī; Shāfiᶜī; Ḥanbalī e Mālikī. Al-andalus e o maghreb, por exemplo, seguiam a tradição mālikī. Nesse sentido, apesar de o Egito ter suas escolas consolidadas e uma hierarquia, inclusive levantada por Ibn Baṭṭūṭah, a presença de um qāḍī para representar cada escola diz muito sobre o cosmopolitismo do lugar. O viajante, inclusive, gasta alguns parágrafos para expor em sua narrativa essa característica que era diferente da qual a maghrebina estava acostumada. Ele aponta que o sultão mameluco an-Nāṣir examinava ações judiciais com a presença dos quatro juízes à sua esquerda. O tangerino conta um caso de uma intriga na qual um dos juízes se ausenta da reunião, o que faz o sultão desaprovar. Neste relato, pode-se ver que o poder mameluco prezava ter em suas decisões a presença dos 4 juízes:

 

“[...] Al-Malik an-Nāṣir ordenou que fosse feito dessa forma, mas quando o juiz hanafi soube disso ficou descontente com a medida e deixou de assistir às reuniões. Al-Malik an-Nāṣir desaprovou a ausência e, uma vez conhecida a causa, ordenou que ele permanecesse, após que o camareiro o agarrou e o fez sentar onde o sultão decidiu, ao lado do juiz mālikī.” [Ibn Battuta, 2017, p. 168-169]

 

Conclusão

Os relatos de viagem como a riḥlah, além de informar sobre as terras distantes, serviam para promover a unidade da ummah em meio a diversidade composta do Islã. Dessa forma, o apontamento das rotas egípcias como caminhos plausíveis até Meca promove que o peregrino norte-africano teria que passar pelo local para chegar até a  Kaᶜbah. Não se pode perder de vista as intenções discursivas ao abordar tais terras e as escolhas empregadas na representação. O Egito aparece como caminho para chegar até Meca, mas também como um local em que abunda a diversidade, tanto no passado como no presente. De fato, essas terras eram mais conhecidas do público-alvo do que a China, por exemplo.

 

Ibn Baṭṭūṭah fala a partir da identidade islâmica e para um público muçulmano sunita maghrebino, o que implica em uma série de definições em seguida. Com o Egito não é diferente, afinal ele está imerso na lógica narrativa do viajante. No mais, é possível, a partir do príncipe dos viajantes, extrair muitos fragmentos que estão inseridos na complexidade do Egito. Uma cidade tão complexa que expressa diversas possibilidades narrativas. Há pessoas para todo tipo de situação que for necessária, de acordo com a descrição do viajante.

 

Este trabalho utilizou a riḥlah como uma fonte para compreender melhor o papel da centralidade egípcia no Islã no século XIV e como ela se relacionava com o itinerário, além da construção de uma imagem particular por Ibn Baṭṭūṭah. As descrições comerciais com destaque na estrutura portuária magistral ou o cemitério com sua imensidão de pessoas importantes para o Islã dizem muito sobre o Egito como entreposto e uma cosmópolis em que reuniam-se pessoas de diversos locais do mundo. Entretanto, isso não se revelou uma particularidade islâmica, mas, de fato, foi muito aproveitado pelos governantes mamelucos que reinavam um local com braços comerciais que tocavam boa parte do mundo conhecido. Ao mesmo tempo que o filho do Emir de Nahrāriyya estava a serviço na Índia, como destacou Ibn Baṭṭūṭah, o local recebeu embaixadas e peregrinos subsaarianos, inclusive a figura de liderança como pode registrar al-ᶜUmarī [2000], contemporâneo ao tangerino.

 

Quanto ao Islã e a sua estrutura diversa, o Egito de Ibn Baṭṭūṭah é um perfeito mosaico de sua complexidade. Ao mesmo tempo em que sua principal cidade, Cairo, foi fundada pelos Fatímidas e há elementos que remetem a um lugar de memória mais celebrado pelos xiitas, o sultão mameluco fazia questão de que os quatros juízes [qāḍī] estivessem presentes de maneira a representar cada uma das madhhabs. O espaço ou como os pleitos se levavam neste local no nordeste africano revelam um Islã com diversas contradições históricas. Quase 700 anos depois da primeira mesquita ser construída no Egito, Ibn Baṭṭūṭah descreveu um local que, historicamente, teve diversas maneiras de lidar com o Islã e assumia uma posição central nessa nova era após 1258.

 

Referências

Pietro Enrico Menegatti de Chiara é graduando finalista do curso de História na Universidade Federal do Espírito Santo [UFES] e foi aluno de mobilidade na Universidade de Évora. Durante dois anos pesquisou em Iniciação Científica, orientada pelo Prof. Dr. Sérgio Alberto Feldman, sobre Ibn Baṭṭūṭah e alteridade. Contato: pietro.mengatti@gmail.com

 

AL-UMARI. Mamlakat Mālī ‘ind al-jughrāfiyyīn al-muslimīn. In. LEVTZION, Nehemia; HOPKINS, J.F.P.  [ed.]. Corpus of Early Arabic Sources for West African History. Princeton: Markus Wiener Publishers, 2000.

 

BENJAMIN DE TUDELA. O Itinerário de Benjamin de Tudela. São Paulo: Perspectiva, 2017.

 

BIANQUIS, Thierry. "O Egito desde a conquista árabe até o final do Imério Fatímida [1171] In. EL FASI, Mohammed [org.]. História Geral da África, III. África do século VII ao XI. Brasília: UNESCO, 2010.

 

DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2004.

 

FANJUL, Serafín; ARBÓS, Federico. “Introducción” in IBN BATTUTA. A través del Islam. [trad., Introd. e notas: Serafín Fanjul; Frederico Arbós]. [S.l.]: Titivillus, 2017.

 

FAUVELLE, François-Xavier. O rinoceronte de Ouro. São Paulo: EDUSP, 2018.

 

FRANCO JÚNIOR, Hilário. Feudalismo: Uma sociedade religiosa, guerreira e camponesa. São Paulo: Editora Moderna, 1999.

 

GARCIN, Jean-Claude. "O Egito no mundo muçulmano [no século XII ao início do XVI]" In. NIANE, Djibril Tamsir [org.]. História geral da África, IV: África do século XII ao XVI. Brasília: UNESCO, 2010.

 

GEERTZ, Clifford. Observando o Islã. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

 

HAWTING, G. R. The First Dynasty of Islam The Umayyad Caliphate AD 661–750. Londres: Routledge, 2000.

 

IBN BATTUTA. A través del Islam. [trad., Introd. e notas: Serafín Fanjul; Frederico Arbós]. [S.l.]: Titivillus, 2017.

 

MAS LATRIE, Louis de. Traités de paix et de commerce et documents divers concernant les relations des chrétiens avec les Arabes de l'Afrique septentrionale au moyen âge. Paris: H. Plon, 1865.

 

MIQUEL, André. L'ISLAM D'IBN BAṬṬÛṬA. Bulletin d'études orientales, T. 30, MÉLANGES OFFERTS A HENRI LAOUST. VOLUME SECOND [1978], pp. 75-83.

 

RODNEY, Walter. “A economia colonial” In. BOAHEN. Albert. História Geral da África VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília: UNESCO, 2010.

 

RUTHVEN, Malise; NANJI, Azim. Historical atlas of Islam. Cambridge: Harvard University Press. 2004.

 

WAINES, David. The odyssey of Ibn Battuta. Londres: I.B. Tauris, 2010.

6 comentários:

  1. Que texto incrível, Pietro! Parabéns pela pesquisa. Ao ler o texto fiquei pensando sobre a importância dos relatos do Ibn Batutta para a compreensão da história dos locais pelos quais ele passou. Sem dúvida, uma fonte de extrema relevância. Gostaria de saber se já chegou a comparar os escritos com outras fontes do mesmo período no qual ele escreve. Se sim, é possível observar semelhanças sobre os fatos narrados? Discordâncias? Quais as particularidades dos relatos do viajante?

    Luiza Santana Locatel Araujo

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  2. Muito obrigado, Luiza! Também li o seu e está tão incrível que quase esqueci que Ibn Khaldun chamou Ibn Battuta de mentiroso. Brincadeiras à parte, com meu tempo de pesquisa em Ibn Battuta percebi que, na maioria das vezes, ele é estudado de maneira fatiada. Por exemplo, um historiador que estuda o Mali pega apenas parte do relato que diz a respeito da África Subsaariana, o de al Andalus apenas a viagem dele à Península Ibérica, assim por diante. O viajante, na historiografia, aparece menos como alguém a ser analisado como um todo e mais como um recorte de um testemunha de um recorte geográfico específico. Essa análise mais focada nos faz perceber particularidades que compõem o gênero literário rihla. Ele se insere em uma tradição de narrativa de viagens que não se preocupa apenas em descrever os locais, mas também ser uma jóia literária e com as formas poéticas. Não é a toa que o sultão Abu Inan chamou um poeta para escrever o relato dele. Ou seja, só pela complexidade literária ela já é única. Ao comparar com um dos primeiros relatos de viagem do mundo islâmico, Ibn Fadlan (sec. IX), é possível ver essas diferenças. Este não se desenvolveu um apreço pela forma e a preocupação era mais em conferir um relato verossímil para as figuras políticas da época sem rodeios.

    Porém, para fazer comparações com outras fontes, Ibn Battuta acaba tendo que ser fragmentado. É difícil comparar com outro viajante de fôlego como ele. Por mais que houvessem (e ele apontou isso no relato), eles não deixaram um relato. A partir disso, a depender do local, a comparação tende ao infinito tendo a riqueza material documental. Por isso, apontarei algumas que encontrei na minha jornada de pesquisa. É possível fazer uma comparação dele com Marco Polo em diversos pontos do extremo oriente. Acredito que é evidente como a roupagem de estrangeiro no europeu é bem mais evidente tanto por ser mais incomum um europeu cristão em terras tão distantes do que um maghrebino islâmico; mas o relato de Marco Polo insiste nas maravilhas e na criação de um imaginário mais exótico que o de Ibn Battuta. Por mais que o tangerino também descreva o maravilhoso, o oriente é bem mais estranho para o veneziano.

    Outra comparação, dessa vez mais específica, é sobre a África Subsaariana. Ibn Battuta ainda é uma fonte particular por ser o único testemunha (cujo relato sobreviveu) a atestar ir para as terras subsaarianas sob domínio do Mali. Os próprios contemporâneos a ele, como al Umari (sec. XIV) ou os antecessores como al Bakri (sec. XI), não realizaram a travessia do deserto, mas compilaram relatos de viajantes a partir de suas cidades (Cairo e Córdoba, respectivamente). Dessa particularidade surge muitas outras sobre a África Subsaariana, como: citar o rio em que a capital está banhada; reunir uma descrição detalhada dos griots e da sua função de ser a palavra dos mansas, assim como aponta a tradição oral (Djibril Tamsir Niane, Sundjata ou a epopéia mandinga); descrever como ele foi recebido pelo mansa Suleyman.

    Mesmo em outros locais com menos margens para comparações por não ter tantas fontes contemporâneas, é possível realizar tal trabalho. Nas Maldivas, por exemplo, o trabalho arqueológico faz perceber que a narrativa do viajante tem algum pé na realidade, como quando ele fala dos cauris e da sua difusão para o mediterrâneo.

    Ainda há milhares de comparações a serem feitas, mas acredito que consegui evidenciar como a obra de Ibn Battuta é particular e única (me avise caso não). Seja como um corpo fragmentado ou unido, ele nos revela muito sobre o mundo do século XIV e dos séculos passados. Caso estivesse pensando em um local específico que não toquei, comente que aponto algumas observações que percebi na minha pesquisa. No mais, agradeço a pergunta e a sua atenção com meu texto.

    (Obs: Por prezar em responder a pergunta com mais rapidez, escrevi a resposta sem o sistema de transliteração utilizado no texto.)

    att.

    Pietro Enrico Menegatti de Chiara

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  3. Boa tarde. Belo trabalho. Bem, e a herança dos egípcios antigos, tipo a pirâmides. Como eles enxergavam elas? A cultura antiga dessa região? Grato, Marlon Barcelos Ferreira

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    1. Boa noite Marlon, fico feliz que gostou do texto e pela pergunta. Ia incluir a descrição de Ibn Battuta das pirâmides mas optei por deixar de fora por ir além dos caracteres permitidos no evento. Bom, a paisagem do Egito Antigo desperta muitas curiosidades hoje e não era diferente alguns séculos atrás. Da maneira tradicional, aprendi que o interesse sobre o Egito morreu e só ficou em alta com Champollion quando ele decifrou os hieróglifos. Mas a questão é que havia sim interesses dos islâmicos e houve diversas tentativas de tentar decifrar os hieróglifos por parte deles. Há alguns autores (Okasha El-Daly) que apontam que eles sabiam da conexão da antiga língua egípcia com o copta. Ademais, com o próprio processo de islamização, a paisagem mudou um pouco, mas percebe-se uma conservação dessas estruturas antigas (como podemos ver atualmente) ou, então, até um reaproveitamento: a da Mesquita Abu al Hajjaj, por exemplo, em Luxor era um antigo templo religioso. O histórico de conquista política islâmica mostra uma tolerância às culturas ali existentes e não era o objetivo deles destruir tudo já existente para idealizar uma nova paisagem;

      Sobre o contexto de uma visão em geral, há a parte da narrativa religiosa, afinal o Egito está inserido na história hebraica (com José, Moisés, o êxodo) e faz parte da história do monoteísmo que também é tida como a história do Islã. Por si só, o Egito fez parte da história formativa da religião. Ademais, há também uma narrativa muito difundida sobre o local ser terra de conhecimentos milenares na qual Ibn Battuta reproduz e mistura com a religiosa. O viajante afirma não saber sobre a construção das pirâmides, mas ele fala que se diz que um dos reis do Egito antes do Dilúvio teve visões que aterrorizaram ele e forçaram ele a levantar as pirâmides na margem ocidental do Nilo para que fossem depósito das ciências ao mesmo tempo tempo que fossem enterrados cadáveres reais. Essa passagem, é interessante por que, além de proporcionar uma construção de memória com narrativa religiosa, coloca o Egito como depósito da ciência, o que é completamente plausível. Além de que, realmente as pirâmides eram utilizadas como túmulos. Com a presença de Alexandria, o Egito tornou-se uma das principais regiões através da qual a sabedoria grega, filosófica e científica era transmitida ao mundo árabo-islâmico. Ibn Battuta está consciente disso e demonstra ao contar sobre a construção das pirâmides e ao adicionar que, ao construir Alexandria, ela seria convertida como o centro da ciência e do poder. Com o islã, o centro seria Fustat, antiga capital do local antes de Cairo.

      O assunto é complexo e ainda há muitos detalhes, mas acredito que seja isso o básico. Caso não tenha respondido e sinta que eu possa te ajudar em algo, não se preocupe em me contatar por e-mail.

      (Obs: Por prezar em responder a pergunta com mais rapidez, escrevi a resposta sem o sistema de transliteração utilizado no texto.)

      att.

      Pietro E. Menegatti de Chiara

      Excluir
  4. Boa noite. Obrigado por compartilhar sua pesquisa conosco. Gostaria que você comentasse um pouco mais sobre a fonte, principalmente no que se refere à tradução do árabe, mas também sobre como foi seu acesso a ela. Carlos Eduardo Martins Torcato.

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    1. Boa noite, Carlos. Eu que agradeço pela sua leitura e pelo tempo disponibilizado para perguntar. A fonte é um relato de viagem produzido no século XIV encomendada pelo sultão marínida Abu Inan Faris e feita a mão de um célebre poeta da época: Ibn Juzayy. Ibn Battuta é relativamente famoso no mundo islâmico e a mais influente tradução/editoração é a de Defrémery e Sanguinetti finalizada em 1858. Por publicar uma edição bilíngue árabe/francês, os autores facilitaram o acesso aos manuscritos argelinos (suspeita-se que apenas o final do relato original sobreviveu, mas ainda há dúvidas se o manuscrito “arabe 2291” da Biblioteca de Paris foi realmente escrito por Ibn Juzayy ou copiado por alguém em um período próximo) utilizados e, a partir disso, fez os outros tradutores partirem deste livro para traduzir do árabe para outras línguas, como o inglês (Gibb e Levtzion;Hopkins), espanhol (Fanjúl, Arbós), italiano (Claudia Tresso). Entretanto, não há nenhuma tradução para o português que utilize os franceses como base, mas vale destacar José de Santo Antônio Moura que fez a tradução do árabe para a língua lusa em 1854 a partir de manuscritos de Timbuktu.

      Tenho acesso a versão bilíngue de Defrémery e Sanguinetti graças a um banco de dados digital (Digital Silk Road Project) de livros raros disponibilizados na internet. A leitura do árabe ainda é difícil para mim, mas consigo ler algumas palavras perdidas, encontrar trechos específicos para acompanhar as traduções e fazer uma transliteração do árabe para o alfabeto latino. A barreira linguística ainda é grande, mas é um desafio interessante.

      Caso queira tenha interesse em alguma obra que eu citei, mande-me um e-mail (pietro.mengatti@gmail.com) que tenho os pdfs organizados e posso disponibilizá-los.

      (Obs: Por prezar em responder a pergunta com mais rapidez, escrevi a resposta sem o sistema de transliteração utilizado no texto.)

      att.

      Pietro E. Menegatti de Chiara

      Excluir

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