O EGITO ASIÁTICO DE POMPÔNIO MELA, por Alaide Matias Ribeiro

 

Introdução

Pompônio Mela, no capítulo dedicado à descrição da Ásia, em sua Corografia, afirma que: “Asiae prima pars Aegyptus inter Catabathmon et Arabas” [livro I, cap. 9, 49]. O geógrafo romano do século I EC, além de indicar que o Egito é a primeira parte da Ásia, também o localiza geograficamente entre o vale que é considerado o limite da África, o Catabathmon, e o espaço ocupado pelos povos árabes. Esse posicionamento não é aleatório. A questão do localização geográfica e da construção discursiva de espaços e de lugares a partir de uma determinada experiência do autor é o que propomos discutir neste capítulo. Nesse sentido, esboçamos uma reflexão sobre a Ásia e, particularmente, o Egito asiático de Mela.

 

Pompônio Mela e o De situ orbis

Ao considerar outros geógrafos da Antiguidade como Eratóstenes [II AEC] e Estrabão [I AEC-I EC], cujas obras ou fragmentos sobreviveram à passagem do tempo, podemos estabelecer uma relação com Pompônio Mela no que concerne à produção de um esboço biográfico. Tal ensaio não é possível de reconstrução em razão da escassez de dados referentes ao sujeito e obra. As informações são poucas e derivam, principalmente, do próprio discurso geográfico.

 

Assim, tomando como referência a Corografia e, portanto, considerando os dados apresentados por Mela, sabe-se que ele era originário de uma cidade localizada na Hispânia Baética, nomeada Tingentera [livro I, cap. 6, 96], também identificada como Iulia Traducta, atualmente, Algeciras, no sul da Espanha [Romer, 1998, p. 1]. O mesmo quadro sumário se repete quando se propõe datar sua obra. De acordo com Silberman [1988, p. VII-IX] é possível definir uma data de produção da Corografia a partir dos dados informados no próprio texto, estes, mais extensos do que em relação ao próprio autor. Os principais vestígios são, primeiramente, a informação de que Iol, residência real de Juba II, foi renomeada como Caesarea [livro I, cap. 6, 30], fato que ocorreu pouco depois de 25 AEC. O segundo dado é o anúncio de um retorno triunfal do princeps Claudius [10 AEC-54 EC] em 44 EC, depois de uma campanha vitoriosa na Britannia [livro III, cap. 6, 49]. Nesse sentido, pode-se afirmar que a Corografia foi redigida entre o final de 43 e no início de 44 EC [Romer, 1998, p. 3; Silberman, 1988, p. XIII].

 

A Corografia é uma descrição geográfica pouco extensa, escrita em latim, organizada em três livros e, considerada pelos especialistas como um esboço de uma obra maior que seria produzida pelo geógrafo hispânico. Mela utiliza-se de uma experiência indireta do espaço, mediada por uma tradição de escrita historiográfica, geográfica e etnográfica, para construir o espaço do mundo habitado. Cabe ressaltar que, apesar de ser intitulada como uma khôrographia, uma descrição escrita sobre determinada região ou território, o discurso contém elementos característicos de uma topografia, de uma geografia [Romer, 1998, p. 4], preocupada em expor a terra habitada [Silberman, 1988, p. XIX] e, particularmente, de uma mitografia grega [Smith, 2016, p. 111].

 

De forma geral, Mela inicia sua obra tecendo considerações sobre a tarefa a que se propõe, a produção de uma geografia, bem como sobre a estrutura da obra. Em seguida, expõe as questões próprias à geografia, como a discussão sobre o universo, a terra, sua divisão em dois hemisférios, norte e sul, e em cinco zonas, suas proporções, o Oceano exterior, os mares e os três continentes [livro I, cap. 1, 3-8]. Feita essa introdução à obra e às questões gerais, Mela inicia a descrição geral de cada um dos três continentes, a Ásia, a Europa e a África, enfatizando a delimitação do contorno e enumeração dos lugares e povos que ocupam o interior, a costa mediterrânica e oceânica. Nesse sentido, essa descrição inicial ainda se atém às questões da geografia matemática. A corografia, por sua vez, inicia-se posteriormente, com a apresentação de informações mais detalhadas sobre esses espaços.

 

Em resumo, Mela inicia a partir do cabo Spartel e, tomando como fio condutor as costas do Mediterrâneo e depois o Oceano Exterior, percorre os espaços a partir da África [I, 25-48] e da Ásia [I, 49-117]. No livro II, descreve a Europa [II, 1-96], as ilhas do Mar Interior e do Euxino [II, 97-99], as margens asiáticas [II, 100-104], africanas [II, 105] e europeias [II, 106-126]. O livro III conserva a descrição das costas atlânticas da península ibérica, Gália, as costas oceânicas da Europa [III, 1-45], as ilhas ao longo dessas costas [III, 46-58], as costas asiáticas [III, 59-84] e depois, as da África [III, 85-107].

 

Exposição geográfica

Nas geografias e corografias de autores gregos e romanos, ou mesmo nas digressões relacionadas ao espaço presentes em histórias, a disposição ou ordenamento dos espaços e lugares toma como referência uma divisão maior do orbe habitado, a dos continentes. Para Pompônio Mela, o Mar Mediterrâneo e os rios Nilo e Tanais dividiriam a terra em três partes. Assim: “a extensão de terra que vai do estreito de Gades até esses rios, nós chamamos, por um de seus lados África, do outro Europa - até o Nilo é África, até o Tanais, Europa. Tudo o que se encontra além é Ásia.” [livro I, cap. 1, 8]. De acordo com Silberman [1988, p. 101-102] essa divisão em três continentes, apropriada por Mela, resulta de observações empíricas de navegadores, comerciantes e viajantes.

 

Mas, comum na tradição de escrita geográfica grega, Mela, tal como Eratóstenes e Estrabão, recorre às formas geométricas para dizer a que se parece o espaço antes de iniciar a descrição corográfica. E, é a partir dessa exposição inicial que o público é informado sobre a problemática da localização desse espaço, Ásia [livro I, cap. 2, 9-14], e desse lugar em particular, o Egito, lugar discutido em doze seções [livro I, cap. 9, 49-60], das quais cinco [49-54] compreendem a discussão sobre o Nilo.

 

O geógrafo romano afirma que: “A Ásia possui uma frente extensa e contínua voltada ao oriente e aí se estende de modo que é igual em largura à Europa e à África e ao mar entre as duas. Daí procedendo, alonga sua forma massiva sobre alguma distância, encontrando-se com os mares arábico e pérsico, vindo do oceano que chamamos Índico, e vindo do oceano Escítico ao Cáspio. Depois, volta-se a dilatar e alargar. Daí, quando chega ao seu fim e aos confins das outras partes da terra, Nosso Mar a recebe pela parte do meio; o restante, como uma ponta, dirige-se até o Nilo, e a outra, até o Tanais.” [livro I, cap. 2, 9].

 

O espaço é delimitado a partir de pontos de referência como os mares Mediterrâneo, Índico, Escítico e o rios Nilo e Tanais. A descrição não é detalhada pois o objetivo, nesta primeira parte é, justamente dar a conhecer a forma, extensão e fronteiras da Ásia. Na seção seguinte, Mela continua a delimitação das extremidades da Ásia, particularmente, as voltadas para a parte septentrional do orbe. Ele diz:

 

“Sua orla desce junto com o leito do Nilo, de ponta a ponta, até o mar, do qual desenha toda a projeção pela extensão de sua costa; depois corrente com o avanço deste último, primeiro arredonda em uma vasta curva, depois se alonga formando uma ampla fachada até o estreito do Helesponto; daí, ainda em diagonal ao Bósforo e curvando-se várias vezes ao longo do Ponto, atinge, depois de fazer uma curva, a entrada do Meótide que abraça na reentrância que forma até ao Tanais, com cuja margem se identifica.” [livro I, cap. 2, 10]

 

Em resumo, a descrição se utiliza de termos que exigem do leitor uma elaboração mental do espaço, já que os principais dados informados, para serem compreendidos, estão relacionados não só aos pontos de referências, mas a trajetórias e percursos que se conectam. O Egito não é explicitado, mas o rio Nilo, um dos principais topos de discussão geográfica, aparece recorrentemente.

 

Um detalhamento inicial da Ásia e dos povos asiáticos

O esquema de apresentação do espaço geográfico empreendido se preocupa em expor, antes do detalhamento dos lugares nos continentes, um inventário dos povos que ocupam esses espaço. Essa listagem, no entanto, não resulta do contato direto do geógrafo romano com tais povos, mas sim de uma experiência indireta. Nesse sentido, cabe ressaltar o uso de expressões que identificam, e ao mesmo tempo isentam o autor de sua responsabilidade para com os dados informados, como, por exemplo: “como ouvimos” [livro I, cap. 2, 11], “conta-se” [livro I, cap. 2, 12].

 

No caso da Ásia, a citação aos povos que ocupam esse espaço é feita nas últimas quatro seções do capítulo 2 do livro I. A menção aos grupos humanos seguem uma ordenação explícita. Inicialmente, Mela menciona os habitantes da extremidade oriental: indianos, seres e citas [livro I, cap. 2, 11]; depois prossegue para os locais que estão situados ao redor daqueles: Ariane, Aria, Cedrósia, Pérsia, os cáspios, as amazonas e os hiperbóreos [livro I, cap. 2, 12]; em seguida, os povos que ocupam o interior do continente e, mais particularmente, acima da região do golfo Cáspio: candaros, paricanos, bactros, sogdianos, farmacotrofos, chomares, coamanos, propanisades, dahas, comaros, masagetas, cadúsios, hyrcanos, iberos, cimérios, cissiantiens, aqueus, georgios, moscos, corsitas, foristas, rifaces, mardos, antibaranos, medos, armênios, comagenos, murranos, enetas, capadócios, galogriegos, liacaones, frígios, pisidas, isauros, lidos e sirocilices [livro I, cap. 2, 13]. Por fim, na última seção, Mela arrola os povos situados no e em torno do golfo pérsico, em particular, os partas, assírios, bitínios, babilônios, egípcios, meóticos e saurómatas, bem como lugares específicos: Síria, Cilícia, Lícia, Panfília, Cária, Jônia, Eólide, Tróade, Helesponto, o Bósforo Trácio e o Ponto Euxino [livro I, cap. 2, 14].

 

Egito

Considerando o inventário de povos citados acima, percebe-se que os egípcios, o povo que ocupa o Egito, encontra-se situado entre os grupos humanos que habitam na região próxima ao golfo pérsico, na extremidade ocidental da Ásia. Apesar de situá-lo como o primeiro território da Ásia, colocando sua fronteira africana no Catabathmon, Mela também indica outros limites que tornam problemáticas as delimitações. Ele enuncia que: “A África, na parte do oriente, é limitada pelo Nilo, e pelas outras com o mar. [...] A África é mais comprida que larga e a parte mais larga fica onde ela toca no rio Nilo.” [livro I, cap. 4, 20]. De acordo com Silberman [1988, p. 114], inicialmente, ao dar a forma geométrica de um triângulo à África, Mela considera que o menor lado que estaria articulado ao maior e formaria o ângulo reto, a margem mediterrânica, seria aquele que segue o curso do Nilo.

 

Um dos sentidos que podem ser interpretados a partir do excerto é que, nessa enunciação em particular, o limite do Egito é a própria margem ocidental do Nilo. Assim, o rio aparece ora no sentido de uma fronteira natural entre a África e a Ásia, quando Mela segue uma tradição jônica, cujo representante é Hecateu de Mileto [Silberman, 1988, p. 114], ora não como o divisor, pois todo o território, margem ocidental e oriental, são percebidos como Ásia. Assim, o Egito é distinguido da Líbia [livro I, cap. 9, 49], como enunciado por Heródoto [Silberman, 1988, p. 128], sendo limitada em Alexandria [livro I, cap. 9, 60].

 

Concordamos com Romer [1998, p. 11] quando ele considera que a ordo da narrativa de Pompônio Mela incorpora e se torna a própria ordo do mundo. No entanto, tendo em vista a utilização de diferentes fontes, tradições geográficas e formas de descrição, especialmente, a ênfase no périplo [Dueck, 2012, p. 6-7; Silberman, 1988, p. XVI], compreende-se que o mundo ordenado por Mela, os espaços e lugares criados a partir do discurso, não está isento de incoerências.

 

Exposição corográfica

Ciente dessa problemática, cabe voltarmos a atenção para a descrição corográfica do Egito, apresentando os elementos destacados por Mela para compor esse espaço. O primeiro tópico é a caracterização do espaço como uma terra que é privada de chuva, mas prodigiosamente fértil em razão do rio Nilo. Este rio, considerado como o maior a desaguar no “Nosso Mar”, isto é, no Mar Mediterrâneo, é percebido como a causa de toda a fecundidade e superabundância do Egito, tanto no que concerne aos homens, aos egípcios, como aos outros seres animados. É o rio que ocupa a maior parte dos parágrafos do capítulo dedicado ao Egito.

 

Mela expõe sobre as origens do rio, sua navegabilidade e nomenclatura. Ele enuncia que: “Vindo dos desertos da África, não é imediatamente navegável nem chamado de Nilo, e por muito tempo desce de um curso único e impetuoso, depois, cercando Meroé, uma ilha muito extensa, estende-se na Etiópia, chamado de um lado Astabores, do outro, Astape. É de onde refaz sua junção que leva seu nome.” [livro I, cap. 9, 50]. O sentido da narrativa, a partir da origem, passando pela Etiópia, é de uma descrição que segue em direção ao Mar Mediterrâneo. Esse curso, inicialmente apresentado no que pode ser identificada como região etíope, é apresentado, em seguida, no próprio território egípcio. Assim, seguindo o percurso do rio, Mela expõe que o Nilo, depois de desembocar em um lago imenso, não nomeado, forma poderosas cataratas, cerca uma outra ilha chamada Tachempso e segue até a cidade de Elefantina. A partir deste lugar, Mela indica que o rio se torna mais calmo e navegável. Ele não deixa de passar por outros lugares do Egito enquanto segue até a foz, onde se divide em sete bocas: Canópica, Bolbitina, Sebenítica, Pathmítica, Mendésia, Tanítica e Pelusíaca. Estas, apesar de terem sido mencionadas no início da descrição, só serão nomeadas na última seção do capítulo.

 

Após essa breve exposição do curso do rio, Mela retoma a ideia da natureza geradora e nutritiva das águas nilóticas, enunciando que ela é responsável pela abundância de peixes, hipopótamos, crocodilos e outros organismos vivos que pululam no solo e não são propriamente identificados. Apesar de mencionar exemplos da fauna nilótica, Mela não se detém na descrição dos animais nem da flora egípcia.

 

Por fim, o tópico final de discussão em torno do Nilo é a questão das cheias, assunto diretamente relacionado ao campo da geografia física [Silberman, 1988, p. XXI]. No entanto, Mela não apresenta uma hipótese definitiva sobre o fenômeno e nem toma partido de uma específica. Ele apresenta 4 razões para a cheia: (1) as neves derretidas dos cumes das montanhas da Etiópia, (2) o transbordamento por falta dos efeitos do sol nas regiões onde nasce, (3) os ventos etésios que fazem com que ocorra precipitação na sua origem e, por fim, (4) a possibilidade de o rio ter origem em uma antípoda e transbordar quando, na sua fonte, se desse o inverno.

 

Discutidas as questões próprias à geografia, Mela inicia o comentário acerca dos elementos que considera pertinentes. De acordo com Silberman [1988, p. XX], o geógrafo cita topônimos de cidades, rios, montanhas ou ilhas em razão de critérios como sua antiguidade, grandeza, celebridade, importância, seu papel histórico ou mitológico. Mas, em algumas passagens, que não são específicas à descrição da Ásia ou do Egito, a exposição é de curiosidades, particularidades ou mirabilia [Romer, 1998, p. 12; Silberman, 1988, p. XXII]. No caso do Egito, o geógrafo romano aponta algumas coisas admiráveis que não são, explicitamente, localizadas espacialmente. Em primeiro lugar, relata a existência de uma ilha que se movimentaria de acordo com o impulso dos ventos chamada Chemmis. A mesma teria bosques sagrados e um templo dedicado ao deus Apolo. Outros pontos de destaque são as três pirâmides de Gizé, e o lago Moéris, o qual seria profundo e permitiria a navegação de embarcações de transporte [livro I, cap. 9, 55]. O Labirinto, provavelmente o complexo funerário de Amenemhat III [Silberman, 1988, p. 132], é mencionado como uma obra de Psamético e tratado como uma espécie de complexo habitacional e palaciano [livro I, cap. 9, 56].

 

Indicados tais lugares, Mela inicia uma exposição etnográfica, considerando, especialmente, os costumes dos egípcios: funerários, religiosos e relativo aos gêneros [livro I, cap. 9, 57-59]. O que predomina é uma referência implícita ao discurso de Heródoto e à retórica da alteridade, marcada pela diferença e inversão [Hartog, 2014, p. 243].

 

Por fim, Pompônio faz um comentário que dialoga com o tempo passado e o presente: “Sob o reinado de Amásis eles habitaram vinte mil cidades, ainda hoje possuem muitas. As mais famosas, longe do mar, são: Sais, Mênfis, Siene, Bubástis, Elefantina e, especialmente, Tebas, que, como diz Homero, tem cem portões, ou, segundo outros, cem palácios, [...]; à beira do mar estão Alexandria, na fronteira da África, e Pelúsio, na fronteira da Arábia. A própria costa é cortada pelas bocas do Nilo” [livro I, cap. 9, 60]. É possível perceber que, ao final, o geógrafo, depois da incursão no interior, retoma o esquema do périplo, voltando-se para o litoral e enunciando, novamente, os limites do território. Além disso, é notável a inserção explícita de uma das fontes, Homero, considerado por muitos geógrafos gregos como o pai da geografia [Dueck, 2012, p. 20-21].

 

Consideração final

De situ orbis é a descrição geográfica mais antiga escrita em latim que chegou até nós. No entanto, é uma descrição breve, majoritariamente mediada por uma experiência indireta de Mela, que apenas compila fontes. O mundo descrito não corresponde ao seu mundo mais atual, romano. A Ásia é construída como um continente do mundo habitado, um aglomerado de lugares e povos, e o Egito como um território asiático, atravessado pelo rio Nilo, habitado por egípcios e não identificado com a África.

 

Referências

Alaide M. Ribeiro é doutoranda em História no Programa de Pós-Graduação em História da UFRN/Campus Natal, Área de Concentração História e Espaços. Bolsista Capes. Membro do Grupo de Estudos de História Antiga (MAAT-UFRN).

 

DUECK, D. Geography in Classical Antiquity. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

 

HARTOG, F. O espelho de Heródoto. Ensaio sobre a representação do outro. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.

 

POMPONIUS Mela. Chorographie. Tradução Alain Silberman. Paris: Les Belles Lettres, 1988.

 

ROMER, F. E. Pomponius Mela’s Description of the World. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1998.

 

SMITH, R. S. Between Narrative and Allusion: Mythography in Pomponius Mela’s Chorography. Polymnia, n. 2, 2016.

3 comentários:

  1. Primeiramente, parabéns pela iniciativa de trabalhar essa fonte, Alaide. Excelente exposição! À medida que fui lendo seu trabalho, notamos que o Egito, especialmente o Nilo, é um elemento de fronteira. Nosso questionamento se volta para esse sentido: você considera que outros elementos da descrição egípcia, como etnográficos ou da natureza física, podem ser entendidos como elementos de fronteira para pensar questões de identidade entre os povos que habitam os continentes asiático e africano? E se sim, você considera que essas fronteiras poderiam ter uma utilização política para o contexto do Império Romano no qual Pompônio Mela estava inserido?

    Ass.: Hannah Cabral e Allyson Afonso.

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    1. Hannah e Allyson, obrigada por fazerem a leitura e o comentário. Responderei por partes. Primeiramente, com relação aos elementos etnográficos e da natureza/geografia física serem compreendidos ou poderem ser utilizados como demarcadores de fronteira. A partir da análise da Corografia de Pompônio Mela, mas também de outras obras de geógrafos citados, como, por exemplo, a Geografia de Estrabão, argumento que sim. Esses elementos eram considerados como caracterizadores do espaço e marcavam fronteiras, sejam estas internas ou externas. A etnografia se configura, basicamente, na descrição dos povos que ocupam os espaços e dos costumes (religiosos, alimentícios, fúnebres etc.) que praticam. E, conforme mais detalhada a descrição for, melhor conseguimos distinguir os povos que ocupam um mesmo território. Nesse sentido, podemos afirmar que os egípcios, enquanto sociedade, constituem uma identidade quando comparados com outros agrupamentos que ocupam outros espaços que não o Egito, tanto por esses espaços estarem delimitados por elementos naturais tais como rios, montanhas, vales (como o Catabathmon) e desertos, bem como pelo compartilhamento de determinados comportamentos que caracterizariam o egípcio. Por outro lado, ao observamos o Egito por si só, isolando-o dos territórios que o circundam, podemos identificar diferenças presentes nessa sociedade egípcia. Um exemplo interessante (e que infelizmente não pude desenvolver no texto em razão da limitação das palavras) que elucida essa questão das fronteiras internas dentro do próprio Egito e entre egípcios é justamente o costume religioso, particularmente, o culto a determinados animais. Mela expõe brevemente que os egípcios cultuam certos animais comuns em todo o território, mas também indica que enquanto uns cultuam determinados animais, outros cultuam animais diferentes. Essa diferença pode ser mais bem compreendida na descrição do Egito de Estrabão, pois este geógrafo descreve mais detalhadamente as cidades ao longo de todo o Egito e especifica qual animal é cultuado em cada uma delas. Nesse sentido, considero que essas especificidades demarcam diferenças relevantes no território, mesmo se apoiando em uma base religiosa comum. Então, esses elementos podem sim ser utilizados na discussão sobre identidades, ou marcadores de alteridade, entre povos considerados asiáticos, como os egípcios, e os povos considerados africanos, como os líbios. Com relação à segunda questão, se essas fronteiras poderiam ter algum uso político para Roma, a resposta é sim. As geografias produzidas no decorrer do Império Romano possuem um relação bem demarcada com esse mundo romano, não só porque esses geógrafos vivenciaram no período, mas porque esses discursos, geralmente, voltavam-se não só para os demais geógrafos e pessoas letradas interessadas, mas, principalmente, para sujeitos de poder de Roma. As geografias, segundo alguns especialistas, funcionavam como manuais que poderiam ser utilizados por generais romanos que eram enviados às províncias, seja para governar ou para conquistar o território. Nesse sentido, a geografia ou corografia já possui um caráter funcional que possibilita o conhecer e, consequentemente, o dominar o espaço. Mas, restringindo a discussão à questão de como esses elementos etnográficos e da geografia local como a hidrografia e a topografia, por exemplo, poderiam ter uso político para Roma, creio que seu uso é evidente justamente na possibilidade de propiciar informações sobre a situação geográfica local, tanto humana e física, o que daria aos agentes de poder de Roma (como os prefeitos e governadores provinciais) conteúdos segundo os quais estratégias e ações poderiam ser tomadas para diversos propósitos almejados: da coleta de impostos, do transporte de mercadorias, ao combate de revoltas ou conflitos em pontos específicos do Egito.
      Espero ter respondido, mas caso alguma dúvida persista, sintam-se à vontade para comentar novamente que eu tentarei explanar.
      Alaide Matias Ribeiro

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    2. Agradecemos a resposta, Alaide! Elucidou perfeitamente nossas questões assim como ampliou os horizontes de intepretação do texto.

      Att.: Hannah Cabral Dantas de Barros Teixeira e Allyson Afonso dos Santos Silva.

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