MAOÍSMO: UMA FORMA NÃO TÃO BRANDA DE PODER, por Robson Lins Souza Damásio de Oliveira

 

Introdução

No começo dos anos 2000, o importante teórico de Relações Internacionais Joseph Nye publicou um livro, cujo título rapidamente se tornaria um importante conceito não só no campo das RI’s mas também na imprensa de modo geral. De fato, o conceito de soft power já havia sido utilizado pelo autor nos anos 1980, mas foi desenvolvido de maneira mais detida com seu livro “Soft Power: the Means to Success in World Politics” (2021 [2004]).

Nascia assim o conceito de Soft Power traduzido geralmente por poder brando ou poder de cooptação (JACKSON; SORENSEN, 2013, p.427). Tal forma de poder estaria ligado à capacidade de um estado influenciar a ação de outros estados através de meios não violentos. Destarte, a guerra e as sanções econômicas (entendidas como hard power) ganhariam menos relevância em benefício de aspectos culturais e ideológicos.

Nye (2021) argumenta que um estado pode perfeitamente conseguir influir na ação de outros sem que lance mão de meios como a ameaça militar e as sanções econômicas. A admiração de um determinado estado por conta de seus valores, o desejo de seguir seus exemplos ou de alcançar seus níveis de prosperidade podem fazer com que outros estados conformem suas preferências de acordo com suas expectativas. 

As fontes para tal forma de poder, segundo Nye (2021), adviriam de três fontes: a cultura, os valores políticos e a política externa. Por cultura o autor entende “um conjunto de valores e práticas que criam sentido para uma sociedade” (NYE, 2021, p.11).  O autor salienta que países que possuem uma cultura que inclua valores mais amplos tendem a conformar um soft power mais facilmente que países que possuam uma cultura muito estrita. Por óbvio, o autor apontaria como exemplo de cultura ampla os Estados Unidos e de cultura estrita a União Soviética.

Quanto às políticas de governo, a questão do comércio ganha importância, dada a crença do autor de que por meio das trocas de bens é possível também a transmissão da cultura. Outras políticas governamentais podem afetar positiva ou negativamente o exercício do soft power. O autor apresente como exemplo a segregação racial nos Estados Unidos durante a década de 1950 que teria obstado que o país exercesse maior influência na África.

Por fim, a política externa também deve ser considerada. Nye (2021) apresenta como exemplo as guerras travadas pelos Estados Unidos no Vietnã durante as décadas de 1960/70 e no Iraque em 2003. O autor argumenta que em tais contextos, o poder dos Estados Unidos em influenciarem os demais países por meio do poder brando foi duramente afetado.

Nye assevera que diferentemente do chamado hard power, o soft power não emana totalmente do poder estatal. Isso porque, diferentemente de armas e recursos econômicos, a capacidade de influenciar os demais estados por meio da cultura e de valores também está nas mãos da sociedade civil.

É bem provável que Nye buscasse tratar prioritariamente da política estadunidense em sua análise, notadamente em um contexto de fim da Guerra Fria. Entretanto, seu conceito pode ser útil para entender como se deu a expansão a nível global do Pensamento de Mao Zedong, bem como seus efeitos, esperados ou não. De fato, a presença global do maoísmo pode ser notada facilmente através das inúmeras traduções do Pequeno Livro Vermelho ou do grande número de partidos e movimentos políticos que se reivindicavam maoístas. Mas seria possível considerar tal fenômeno uma espécie de soft power avant la letre?

Maoísmo: origens e principais características

O pensamento maoísta pode ser entendido até certo ponto como uma contribuição inovadora à lista de pensadores marxistas. Nesse sentido, como era recorrente em cartazes durante a Revolução Cultural, o pensamento de Mao se colocaria na tradição de pensadores que, partindo de Marx e Engels e passando por Lênin, Trotski e Stalin, desenvolveram uma forma materialista e dialética de compreensão da história.

De fato, em sua fase inicial, Mao mesclava seus conhecimentos de marxismo com as compreensões que tinha da realidade que vivia, principalmente a história da China e a realidade camponesa de Hunan, sua região natal. Ele começou a destacar-se no movimento comunista ao propor a ideia de uma revolução camponesa, contrariando os enviados soviéticos que assessoravam o Partido Comunista Chinês desde sua fundação em 1921. Como aponta Rebecca E. Karl (2010), é na Conferência de Zunyi de 1935, em meio a Grande Marcha, que Mao logra impor sua visão aos membros do Comintern que pleiteavam a revolução proletária e sua consequente centralidade nas grandes cidades.

A relevância do campesinato no processo revolucionário era um dos elementos inovadores do pensamento de Mao, mas certamente não era o único. Maurice Meisner (1999) aponta como um dos elementos centrais da compreensão maoísta acerca do marxismo era a preponderância dada a elementos voluntaristas. Distanciando-se de interpretações determinísticas sobre a realidade social, Mao pleiteava a possibilidade de um movimento revolucionário transformar a realidade consoante seus anseios.

Julia Lovell (2019) ressalta a importância da denúncia ao imperialismo no pensamento de Mao. Não obstante Lênin já tenha sido um duro crítico ao imperialismo, é somente com o líder chinês que tal pensamento passa a ser uma das bases do pensamento revolucionário internacional. Dentre os motivos possíveis para tal fenômeno, como aponta Lovell (2019), deve-se notar o próprio fato de a revolução chinesa de 1949 e sua consolidação nas décadas seguintes se darem de maneira coeva aos levantes anticoloniais na África, na Ásia e no Oriente Médio.

Nick Knight (2007) acentua que em Mao havia uma constante preocupação sobre a necessidade de uma revolução permanente. Assim, não obstante a chegada ao poder em 1949, a revolução ainda não estaria atingindo seu fim, pois novas contradições surgiriam, demandando uma constante luta revolucionária. Nesse sentido, Mao advogava a teoria da linha das massas (mass line). Contrariando as teorias propostas por Lenin de que o Partido Comunista deveria ser a vanguarda revolucionária, Mao defendia que somente por meio da ação constante das massas seria possível se evitar o surgimento do revisionismo e da burocratização do governo.

As características apontadas acima representam alguns dos desdobramentos das ideias propostas por Mao no decorrer de sua vida intelectual e política. Deve-se observar, entretanto, que conforme aponta Daniel Leese (2011) o termo “Pensamento de Mao Zedong” fora criado por Liu Shaoqi em 1943. Este, trabalhando como agente infiltrado no território dominado pelos nacionalistas de Chiang Kai-shek, passou a utilizar a figura idealizada de Mao como uma arma de combate no campo político-ideológico.

O termo “maoísmo”, segundo Julia Lovell (2019), teria surgido na década de 1950, entre pesquisadores estadunidenses e ingleses que o utilizavam para definir o pensamento e as práticas políticas desenvolvidas na China após a revolução de 1949, sendo usado amiúde em tom negativo.

Na década de 1960 o pensamento de Mao alcançaria um novo patamar. Com efeito, foi nesse período que Lin Biao, um importante líder militar, começa a fazer as ideias de Mao avançarem para o interior do Exército de Libertação Popular (ELP). Como argumenta Jonathan Spence (1995), Lin Biao é o responsável pela organização de citações de Mao na forma de um livro, posteriormente conhecido como Pequeno Livro Vermelho. Spence atribui a Lin Biao também o fato de o estudo do livro ter se disseminado entre os quadros militares, fazendo com que milhões de soldados decorassem e recitassem as frases de Mao.

É nesse período que muitos autores vislumbram o surgimento de um verdadeiro culto a figura de Mao. Segundo Frank Dikötter (2016) tal culto se desdobrava em inúmeras formas como a presença ubíqua de fotos de Mao em espaços públicos e privados, o uso de medalhas com sua imagem por amplos setores da sociedade e a leitura constante do Pequeno Livro Vermelho.

O Maoísmo como fenômeno global

Em 1967 era lançado A Chinesa, filme dirigido por Jean-Luc Godard que retrata um grupo de jovens franceses que discutem sobre as possibilidades de uma vitória revolucionária em um contexto marcado, por um lado, pela Revolução Cultural Chinesa e por outro, pelo avanço dos Estados Unidos sobre o Vietnã. Dentre os muitos méritos e deméritos do filme, deve-se notar que ele revela como o pensamento maoísta havia adentrado ao pensamento de esquerda francês, mesmo antes dos movimentos de maio de 1968.

Nesse sentido, a relevância cultural que as ideias de Mao começaram a adquirir no cenário internacional parece indicar para algum tipo de soft power. Mas para se chegar a essa afirmação seria necessário antes averiguar se a expansão do pensamento de Mao para outros países e continentes se deu como obra do acaso ou se havia algum projeto que sustentasse tal fenômeno.

Para tanto, é necessário em um primeiro momento tratar brevemente os dispositivos culturais e institucionais criados pelo regime instaurado na China em 1949 voltados para a divulgação cultural e ideológica e, em seguida, apresentar alguns casos nos quais tais dispositivos foram utilizados e lograram influenciar a política interna de outros países – sem que houvesse o uso propriamente militar.

Conforme argumenta Lanjun Xu (2016), houve desde 1949 uma tentativa deliberada por parte do Partido Comunista Chinês em lançar mão da tradução de textos como forma de fomentar uma revolução de escopo mundial. Sob o Escritório Internacional de Notícias (International News Bureau) fundado em 1949, o governo chinês buscou propagandear a nova China surgida da vitória revolucionária.

Lanjun Xu (2016) aponta que tal escritório tinha dentre suas atribuições a edição de notícias sobre a China em línguas estrangeiras visando alcançar o público fora do país, da mesma forma foram criados jornais voltados diretamente ao público estrangeiro. Foi criado também a chamada Livraria Internacional (International Bookstore), publicando livros para serem vendidos pelo mundo.

Em 1952, o Escritório Internacional seria reorganizado sob a Editora de Língua Estrangeira (China’s Foreing Language Press), responsável ainda na atualidade pela tradução de vários textos chineses para diversas línguas, dentre elas o português. Como aponta Lanjun Xu (2016), em 1962 ocorre uma discussão em tal editora na qual é estabelecido que as traduções deveriam se voltar para algumas categorias de países, dentre elas países socialistas e países em desenvolvimento e em processo de luta por independência.

Os efeitos foram notórios, mesmo em países considerados desenvolvidos. Na França é criado em 1952 a Associação de Amizade Franco-Chinesa (Association des amitiés franco-chinoise – AAFC), tendo por objetivo, segundo Kaixuan Liu (2017) fomentar uma visão positiva da China na França, bem como promover seu reconhecimento pelo governo francês, pois na época a ilha de Taiwan era considerada a legitima representante da China, em detrimento da República Popular.

Mas o auge da influência do maoísmo em solo francês se daria entre 1966 e 1976, vale dizer, durante o período da Revolução Cultural. Julian Bourg (2016) nota como em tal contexto o pensamento de Mao começa a atingir setores fora do Partido Comunista Francês, notadamente setores da juventude radicalizada que passaram a se identificar com as lutas do chamado “Terceiro Mundo”, elemento presente nas manifestações de maio de 1968.

O maoísmo também esteve presente na África. Na Tanzânia, como aponta Priya Lal (2014), a doutrina (Ujama) criada pelo primeiro presidente do país e grande herói da independência, Julius Nyerere, cuja influência ultrapassaria as fronteiras do país, fora embasada em grande parte no pensamento maoísta. Feitos como a Longa Marcha (1934-1935) e a Revolução Cultural (1966-1976) ou teorias como a prevalência do campesinato na luta revolucionária inspiraram o pensamento de Nyerere.

O intercâmbio entre China e Tanzânia não se daria só no campo das ideias. Segundo Priya Lal (2014) a assistência chinesa ao país se deu por meio de empréstimos em dinheiro, bem como auxílio em equipamentos de saúde e cultura, com destaques para livros e rádios. Consolidavam-se assim os laços econômicos e culturais entre os países baseados em uma imagem destacadamente positiva da China e de seu regime.

Outros dois casos que podem ser destacados são Índia e Peru, cujas influências do pensamento maoísta foram importantes até os anos 1980, no caso peruano, ou até a atualidade, no caso indiano. Na Índia, o movimento Naxalita, fundado em Calcutá em finais dos anos 1960, foi grandemente inspirado pelo pensamento maoísta. Sreemani Chakrabarti (2014) argumenta que até a morte de Charu Majumdar, primeiro líder do movimento, em 1972, o Pequeno Livro Vermelho fora utilizado como único guia da ação revolucionária, em detrimento de demais obras de autores marxistas.

Majumdar defendia que a luta revolucionária não se sagraria vitoriosa somente pelas armas, mas também pelo eficiente trabalho de doutrinação ideológica. É muito provável que o fato de o movimento indiano se dar entre os camponeses tenha facilitado a aproximação com o pensamento de Mao, mas não se deve desconsiderar o papel ativo do governo chinês em tal processo.

Julia Lovell (2019) acentua a ação do governo chinês na divulgação das ideias de Mao na Índia, cuja aproximação ao movimento revolucionário local se deu pelo uso extensivo da propaganda política, utilizando até helicópteros para lançarem panfletos traduzidos para o hindi e o bengali nas regiões de fronteira entre os dois países.

No caso peruano a influência do maoísmo se deu de forma mais direta no caso do Sendero Luminoso, surgido em finais dos anos 1960. David Scott Palmer (2014) nota como na década de 1960 começa a ganhar relevo dentre setores da esquerda peruana a ideia de que o país era conformado por uma sociedade semi-feudal e que a revolução somente frutificaria com a participação ativa do campesinato.

Conforme argumenta Julia Lovell (2019) no caso peruano havia também uma participação ativa do governo chinês, para além das convergências possíveis, notadamente a importância do campesinato nos dois países. Um dos elementos apontados pela autora foram as visitas que Abimael Guzmán, líder do movimento peruano, fez à China. Após conhecer o país, Guzmán passou a utilizar abertamente uma espécie de fusão entre o pensamento de Mao e de Carlos Mariátegui, importante pensador marxista e ativista político peruano do começo do século XX.

Os casos apresentados acima devem ser entendidos como exemplos, não se tratando de uma exploração exaustiva do tema. De fato, as influências do pensamento de Mao podem ser notadas em outros países como Alemanha Oriental, Itália, além de casos mais famosos como Camboja, entre outros. De toda forma, tal processo se deu sobre duas bases: uma convergência das ideias de Mao com as expectativas de setores da esquerda ao redor do mundo e um papel ativo do Partido Comunista Chinês em veicular suas ideias para além de suas fronteiras, influenciando direta ou indiretamente na política externa e interna de outros países.

Conclusão

A teoria de Joseph Nye ganhou corpo desde os anos 1990, passando a ser bastante presente nos debates acerca da política internacional, tanto em nível acadêmico quanto na imprensa de modo geral. A crença nos valores de democracia e liberdade, por exemplo, passaram a ser um importante capital na política externa estadunidense. Por óbvio, tal processo não se deu somente pela identificação que pessoas e governos ao redor do mundo poderiam ter com a história e os valores dos Estados Unidos, mas se deveu também a um processo de construção de imagem, sendo a indústria cinematográfica um exemplo notório nesse sentido.

Entretanto, como se buscou demonstrar, houve também uma tentativa no sentido de expandir uma visão revolucionária em nível global, atingindo países em diversos continentes. Os exemplos tratados acima buscaram justamente salientar tal fenômeno, notadamente na França (Europa), Índia (Ásia), Peru (América Latina) e Tanzânia (África). Buscou, ademais, salientar como os influxos do maoísmo se dilatou também no tempo, dado que mesmo na atualidade ainda há grupos, como no caso da Índia, que se reivindicam maoístas.

Uma explicação possível para tal fenômeno talvez seja a conjugação entre um trabalho eficiente de tradução de textos e divulgação de ideias por parte do Partido Comunista Chinês com o próprio conteúdo deles. Assim, temas como a luta anticolonial e a crítica ao burocratismo soviético iam ao encontro das expectativas de parte significativa dos países, não só entre os que travavam uma luta anticolonial e de formação de um novo governo nacional (Tanzânia, e.g.), mas também entre países que buscavam fugir da esfera soviética (Albânia, e.g.), ou mesmo países capitalistas cujos setores de esquerda buscavam-se distanciar-se ideologicamente da União Soviética (França, e.g.)       


 

Referências

Robson Lins Souza Damasio de Oliveira - mestrando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS-USP).

BOURG, Julian. “Principally contradiction: the flourishing of French Maoism”. In: COOK, Alexander (ed.). Mao’s Little Red Book: a global history, 2016.

CHAKRABARTI, Sreemati. “Empty symbol: the Little Red Book in India”. In: COOK, Alexander (ed.). Mao’s Little Red Book: a global history, 2016.

DIKOTTER, Frank. The Cultural Revolution. Londres: Bloomsbury, 2017.

JACKSON, Robert; SORENSEN, Georg. Introdução às Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013

KARL, Rebecca. Mao Zedong and China in the Twentieth-Century World. Londres: Duke University Press, 2010.

KNIGHT, Nick. Rethinking Mao: explorations in Mao Zedong’s Thought. Reino Unido: Lexington Books, 2007.

LAL, Pryia. “Maoism in Tanzania: material connections and shared imaginaries”. In: COOK, Alexander (ed.). Mao’s Little Red Book: a global history, 2016.

LEESE, Daniel. Mao Cult: Rethoric and Ritual in China’s Cultural Revolution. New York: Cambridge University Press, 2011.

LOVELL, Julia. Maoism: a Global History. New York: Alfred A. Knopf, 2019.

LIU, Kaixuan. “Les amis de la Chine? Le cas de l’Association des amitiés franco-chinois (1952-1981). In: CHI, Miao; DARD, Olivier; FLEURY, Béatrice; WALTER, Jacques. La Révolution culturelle en Chine et em France. Paris: Riveneuve, 2017.

NYE, Joseph. Soft Power: the Means to Success in World Politics. New York: Public Affairs, 2004.

PALMER, David Scott. “The influence of Maoism in Peru”. In: COOK, Alexander (ed.). Mao’s Little Red Book: a global history, 2016.

SPENCE, Jonathan D. Em busca da China moderna; quatro séculos de história. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

XU, Lanjun. “Translation and internationalism”. In: COOK, Alexander (ed.). Mao’s Little Red Book: a global history, 2016.

6 comentários:

  1. Olá! Texto instigante. Em que pese, ao ressaltar a influência e a disseminação do pensamento de Mao não analisou as consequências, para alguns (por exemplo, em “Mao: a história desconhecida” de Jon Halliday e Jung Chang, Cia. das Letras, 2006), desastrosa. Talvez este não seja o vosso objetivo.
    Quanto ao final de vosso texto, “[...] temas como a luta anticolonial e a crítica ao burocratismo soviético iam ao encontro das expectativas de parte significativa dos países” que aproveitaram do pensamento maoísta, por assim dizer. Neste sentido, esta perspectiva (a maoísta) mantém alguma influência no pensamento decolonial, por exemplo, que busca, de alguma forma, colocar em voga a temática dos estudos africanos desde África, saindo da esfera eurocentrista? Ou, o pensamento maoísta possui elementos a contribuir neste debate? Manoel Adir Kischener

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    1. Olá, Manuel. Agradeço pela leitura e pela pergunta. De fato, o período maoísta, notadamente durante a Revolução Cultural, foi marcado por muitos conflitos e sua análise até hoje divide opniões. O que busquei analisar no meu texto, como você bem notou, foi mais a influência do pensamento de Mao em nível global, ressaltando como tal processo se deu tanto por uma convergência de perspectivas, quanto por uma política deliberada do Partido Comunista Chinês. Creio que o pensamento de Mao tenha chegado mais fortemente na África a partir de meados dos anos 1960, uma fase na qual grande parte dos países já estavam independentes. Uma exceção seriam as ex-colônias portuguesas, e.g., as quais por sinal tiveram participação da China em suas lutas por independência. Parece-me que a influência maior da China se deu por meio de uma eficiente política de divulgação de ideias e a busca por aproximar a realidade de países africanos, latino-americanos e asiáticos com a visão chinesa de mundo, marcada pela preponderância do campesinato como classe social, a luta pelo desenvolvimento econômico e por autonomia (notadamente em relação aos blocos comandados por EUA e URSS). Assim, creio que a influência do pensamento de Mao tenha se dado mais no sentido de uma luta terceiro-mundista que unificasse países africanos, asiáticos e latino-americanos e não propriamente como base para o pensamento decolonial.

      Robson Lins Souza Damasio de Oliveira

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  2. Olá, Manuel. Agradeço pela leitura e pela pergunta. De fato, o período maoísta, notadamente durante a Revolução Cultural, foi marcado por muitos conflitos e sua análise até hoje divide opniões. O que busquei analisar no meu texto, como você bem notou, foi mais a influência do pensamento de Mao em nível global, ressaltando como tal processo se deu tanto por uma convergência de perspectivas, quanto por uma política deliberada do Partido Comunista Chinês. Creio que o pensamento de Mao tenha chegado mais fortemente na África a partir de meados dos anos 1960, uma fase na qual grande parte dos países já estavam independentes. Uma exceção seriam as ex-colônias portuguesas, e.g., as quais por sinal tiveram participação da China em suas lutas por independência. Parece-me que a influência maior da China se deu por meio de uma eficiente política de divulgação de ideias e a busca por aproximar a realidade de países africanos, latino-americanos e asiáticos com a visão chinesa de mundo, marcada pela preponderância do campesinato como classe social, a luta pelo desenvolvimento econômico e por autonomia (notadamente em relação aos blocos comandados por EUA e URSS). Assim, creio que a influência do pensamento de Mao tenha se dado mais no sentido de uma luta terceiro-mundista que unificasse países africanos, asiáticos e latino-americanos e não propriamente como base para o pensamento decolonial.

    Robson Lins Souza Damasio de Oliveira

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  3. Agradecido. Manoel Adir Kischener

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  4. Olá Robson,

    O excelente texto por você produzido me levou a ponderar acerca da diferença apontada entre a política de Mao Zedong e a de Lênin no que toca a política de massas. Você poderia me apontar, por favor, com maior profundidade quais são as diferenças entre a linha de Mao e o vanguardismo leninista, ou seja, de que forma entendia Mao que tal ação constante evitaria o burocratismo que enxergava possível na política do bolchevique?

    Agradeço desde já a atenção!
    Christian Souza Pioner

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    1. Ola Christian, agradeço sua pergunta. De fato, há uma influência do pensamento de Lênin sobre Mao e isso é reivindicado diretamente quando Mao se coloca como um continuador do pensamento de Marx-Engels-Lenin-Stalin. Da mesma forma, houve uma tentativa clara de Mao de esboçar uma aproximação com a URSS sob Stálin, que logo se reverte com a chegada de Krushchev ao poder. As diferenças não são claramente explicitadas por Mao em relação ao Lenin, mas podem ser percebidas nas críticas feitas por Mao ao regime de Khrushchev. Mao defendia a teoria da linha das massas que consistia basicamente na ideia de que o partido deveria escutar os anseios da massa, elaborar as políticas cabíveis e de certa forma consultá-las novamente para sentir se a política adotada estava correta. Isso era diametralmente oposto a ideia de Lênin que pleiteava que o partido deveria ser uma força de vanguarda que deveria guiar as massas, e não ser guiado por elas. Creio que a diferença central seja uma certa desconfiança, prática e teórica, da parte de Lênin em relação às massas, pois essas seriam incapazes de conceberem a realidade como um todo e proporem por si mesmas uma teoria e uma estratégia revolucionária.

      Robson Lins Souza Damasio de Oliveira.

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