“IRMÃOS QUE DIVIDEM UMA VIDA”: DISPUTAS ENTRE MASCULINIDADES HEGEMÔNICAS NA GUERRA MONGOL (1204-1206) A PARTIR DO HISTÓRIA SECRETA DOS MONGÓIS, porJosé Ivson Marques Ferreira de Lima

 

 

Escrita por volta do século XIII, a História Secreta dos Mongóis [元朝祕史 Yuanchao bi shi]é uma das únicas fontes literárias que narram sobre a vida de Temüjin e sua trajetória para se tornar Chinggis Qan [Líder Oceânico] a partir de um olhar mais interno, isto é, de uma perspectiva mongol [Allsen, 1987, p. 17].

 

O livro, organizado em 12 capítulos e 286 parágrafos, é uma das poucas fontes que temos sobre o passado mongol que foram escritos numa época muito próxima dos acontecimentos que são narrados ou imaginados. Pois muitos historiadores debatem a respeito da factualidade de alguns eventos apresentados pelo documento.

 

A obra possui esse nome por ser dirigida aos membros da “Linhagem Dourada” [Altan Ordos], isto é, a aristocracia mongol, que eram descendentes do Chinggis Qan. O original foi perdido durante a transição Yuan-Ming [1368], com isso, a conservação do livro se deu graças a letrados chineses Ming que transcreveram a obra em caracteres chineses [empregados apenas de forma fonética] [Cf.: HUNG, 1951].

 

O documento possibilita o estudo de uma miríade de temas como os já clássicos guerras, política e economia no Império Mongol; mas também outros temas pouco discutidos ou ignorados como história das mulheres, relações de gênero e masculinidades.

 

A masculinidade é um objeto de análise pouco discutido entre historiadores, que tendem a naturalizar de forma estruturalista um tipo de ideal de ser homem. No caso de sociedades asiáticas, como afirma Said “O Oriente é feminilizado” [Cf.: SAID, 2007, p. 280], neste caso, até mesmo os homens considerados orientais são representados de forma emasculada e inferiores aos ocidentais.

 

O imaginário acerca da masculinidade mongol surge – de forma direta ou indireta – na História e em outras artes, como no cinema. A imagem eurocêntrica do mongol “bárbaro, invasor e estuprador” [ver o Temujin de John Wayne no filme Sangue de Bárbaros, de 1956] que essencializa o mesmo como um selvagem é algo que deve ser questionada por historiadores.

 

Dito isto, este texto pretende analisar as relações de masculinidades entre os personagens históricos Temüjin, Jamuqa e Ong Qan assim como apresentadas na História Secreta dos Mongóis visando discutir sobre como a relação de irmandade jurada entre homens – anda – foram importantes para construção e consolidação do Império Mongol, a Yeke Mongol Ulus.

 

Para tanto, a fim de discutir sobre a dinâmica desses relacionamentos masculinos e da crise gerada pelas disputas por poder pelos três personagens, será feito uso do conceito de masculinidade a partir de Gilmore [1990], também a de masculinidades hegemônicas, a partir de Connell e Messerschmidt [2013].

 

Os laços de relacionamentos na sociedade mongol

Para o historiador mongol Urgunge Onon [1990, p.7], o que possibilitou a unificação dos demais povos das estepes sob a bandeira de Chinggis Qan e, portanto, a criação do Império Mongol foi o que ele chama de “laços vitais”. São eles: quda, o casamento, que unia tanto os homens com as mulheres quanto suas famílias; nokor, o elo da amizade, que unia um soldado ao seu qan e anda, o laço da irmandade juramentada, que uniam dois homens. Sendo este último o que iremos analisar com mais detalhe neste texto.

 

Porém, esses três laços que uniam as famílias mongóis não foram criação do Chinggis Qan, elas já eram praticadas pelos mongóis anteriormente. Na verdade, elas foram utilizadas por ele de maneira que, ao formar alianças afetivas – e também políticas -, ele garantia a estabilidade de seu povo.

 

Há sobre os povos da Ásia Interior, de uma forma geral, a noção de que eles eram “bárbaros”, “aculturados” que “sempre representam uma ameaça” às sociedades sedentárias, consideradas “civilizadas” [um binarismo do qual sinólogos, como Niccola Di Cosmo, Timothy Brook e Herbert Franke, se mostram críticos, demonstrando que a relação entre China e os povos da Ásia Interior era bem diferente].

 

Discutir acerca dessas formas de relacionamento na sociedade mongol, consequentemente, é recusar e se afastar de explicações simplistas e até mesmo orientalistas de um povo e demonstrar a complexidade da qual é própria dessa sociedade. Rompendo com aquilo que David Sneath denunciou como a noção de que os mongóis é um povo “atemporal, tradicional, nômade, sociedade tribal organizada pelo parentesco” [Sneath, 2000, p. 3] que, como ele explica, não se adéquam para explicar acerca desse povo, sua sociedade e cultura.

 

Desse modo, discutir gênero no mundo mongol, é partir de uma nova perspectiva e demonstrar as particularidades dessa sociedade. É ir além de uma perspectiva centrada em militarismo, guerras e economia, dando espaço para debates igualmente importantes que ampliam o nosso olhar sobre os mongóis. Assim como vem sendo feito por mongolistas nos últimos 10 anos [Cf.: Birge, 2002; Di Nicola, 2016; Espada, 2017; Broadbridge, 2018; Favereau, 2021].

 

Portanto, o caso dos anda, que será analisado a seguir, nos possibilita tanto pensar a sociedade mongol a partir de um novo conceito quanto trazer para o conceito de masculinidade uma nova experiência, a partir de um povo que não se inclui nas costumeiras esferas ocidentais [aos estudiosos de masculinidades, isso constitui um desafio, e tem na obra de David Gilmore um primeiro esforço de estudar outras masculinidades].

 

A irmandade jurada (anda) e as disputas que antecedem a formação do Império Mongol

Em seu livro Manhood in the Making, o antropólogo David Gilmore [1990] reconhece que o conceito de masculinidade, o ideal de ser homem, não basta para se discutir acerca do mesmo em outras sociedades, sobretudo as não-europeias. O autor busca então pensar sobre como a cultura marca as expressões de masculinidade [GILMORE, 1990, p. 9-10].

 

Logo, a masculinidade não é determinada de forma biológica, a cultura também atua na ideia do que é ser homem, na forma como eles se relacionam entre si e na imagem idealizada da qual esses homens devem aspirar se tornar. Assim, cada sociedade terá seus próprios papéis de gênero, cabe aos historiadores compreender a historicidade desses papéis e compreender como eles não estáticos e mudam a cada cultura e época.

 

Na sociedade mongol, há um título que exemplifica bem o que seria esse ideial: a palavra ba’atur, que significa “herói”. No História Secreta dos Mongóis essa palavra dá ênfase ao valor moral e militar que aquele homem possui, sendo um deles Yisugei Batur, pai de Temüjin, um exímio caçador que derrotou um líder tátaro numa guerra e retomou os kereítas à liderança de Ong Qan, seu anda [Cf.: História Secreta dos Mongóis, §:177].

 

Porém, apesar da fonte mencionar apenas homens como ba’atur, há diversas mulheres e qatuns [rainhas] que foram contempladas com o título, quatro delas pelo próprio Chinggis Qan [ver Weatherford, 2010]. Portanto, na sociedade mongol, as mulheres também eram consideradas capazes de portar essa masculinidade.

 

Ademais, outro marcador de masculinidade era o laço vital chamado anda, que unia homens de diferentes famílias que “partilhavam uma vida” e se auxiliavam de forma militar e política. Segundo o historiador Christopher Atwood:

 

“A relação de anda era uma irmandade juramentada formada por homens que não possuíam uma relação direta; […] Encontradas em muitas sociedades nômades turco-mongol, o ritual da irmandade de sangue envolvia beber de uma taça onde o sangue de ambas as partes foi derramado. Os ‘irmãos’ então iriam trocar presentes e habitualmente passar um tempo vivendo na mesma tenda, ou ger.” [Atwood, 2004, p. 13. Tradução nossa].

 

Essa relação é observada ao longo do capítulo 3 do História Secreta dos Mongóis, que detalha mais a relação entre Temüjin e Jamuqa antes da posterior ruptura entre os dois. Segundo a documentação, a partir de um discurso do Jamuqa, a relação de anda consiste em homens dividirem uma vida:

 

“Em dias anteriores, velhos homens costumavam dizer: ‘Homens que são irmãos jurados [dividem] uma vida. Eles não abandonam um ao outro, mas tornam-se protetores de ambas as vidas’” [História Secreta dos Mongóis, §: 117 apud ONON, 2001, p. 97. Tradução nossa].

 

Em tese, a relação de anda é um dos elementos fundamentais para a ascensão política de Temüijn. Afinal, após o seu pai ter sido morto na infância, sua família, os borjínguidas, perderam o apelo que possuíam e ele lidou com experiências de marginalização. Nesse período, a família tem sua sobrevivência garantida pela Senhora Ho’elun [Ho’elun Üjin], sua mãe.

 

Foi graças a relação de anda que seu pai tinha com o Ong Qan, e de sua própria com Jamuqa, que Temüjin conseguiu apelo suficiente para se estabelecer como qan dos mongóis, e posteriormente, reunir povos sob esse mesmo gentílico.

 

No entanto, como explica a fonte, essas relações foram rompidas graças às pretensões políticas de cada um dos integrantes dessa aliança. Na documentação, Temüjin é descrito como o único que não havia grandes pretensões de se tornar um grande líder, enquanto Jamuqa possuía esse ímpeto. Foi a esposa de Chinggis Qan, Borte que o aconselhou a se separar de Jamuqa e liderar seu próprio povo. Segundo o historiador Bruno De Nicola em um estudo a partir do documento, esse espaço de dar conselhos ao Qan foi ocupado por sua mãe e esposa [De Nicola, 2008]. No caso do Ong Qan, temendo perder seu espaço como futuro qan dos kereítas, Seggum convence Ong Qan a trair Chinggis Qan, e posteriormente, declarar guerra.

 

Esses conflitos que ocorreram de forma mais direta entre cerca de 1204 a 1206 é conhecido como “guerra mongol”, e tem seu fim após a morte de Ong Qan e rendição de Jamuqa, que é posteriormente executado, a seu próprio pedido. Com isso, Temüjin é nomeado Chinggis Qan numa assembleia [quriltai], o grande líder de todos os povos das estepes.

 

No discurso presente na História Secreta dos Mongóis, a relação de anda é uma das formas de relacionamento que os homens mongóis utilizam para cuidar um do outro e lutarem juntos em caso de uma eventual guerra. A documentação busca sempre classificar ambos Jamuqa e Ong Qan como traidores que romperam com um vínculo importante ao se negarem a aceitar o protagonismo que Temüjin vinha recebendo.

 

Essas disputas entre masculinidades, que envolvem hegemonia e subordinação, por parte de agentes políticos podem ser melhor entendidas através do conceito de masculinidades hegemônicas [Connel; Messerschimdt, 2013] no qual é definido como algo que “exige que todos os outros homens se posicionem” onde a hegemonia “significava ascendência alcançada através da cultura, das instituições e da persuasão” [Ibidem, p. 245].

 

Logo, as formas como os líderes se relacionam impactam a influência política que eles recebem. O ideal de masculinidade mongol que pode ser definido como “um homem com altas capacidades de caça e militares” também se relacionam com ele respeitar os seus vínculos. A hegemonia nestas relações se percebe na forma com que Chinggis Qan ascende de forma uma que ele deixa de ser um irmão ou um filho para ser visto enquanto um concorrente.

 

Portanto, segundo a documentação, a relação de anda foi uma das principais formas que Chinggis Qan garantiu sua estabilidade política e, dado os contextos em que precisou romper com suas alianças e/ou foi traído, unificou os demais povos sobre sua bandeira.

 

É evidente que outras formas também foram importantes, afinal, o casamento com princesas tátaras após as guerras contra esse povo garantiram que esse povo o seguisse; e a noção de amizade era a principal maneira que ele garantia a lealdade de seu povo. Afinal, o qan não dependia apenas de seu carisma, e sim de sua habilidade de garantir a prosperidade de todos.

 

Dessa forma, a relação de anda se mostra necessária para a sobrevivência estabilidade política dos líderes mongóis. Essa relação entre homens ligava ambos e também sua família e seu povo [Ulus, que indica tanto um povo quanto o território]. Sem ela, dificilmente Temüjin teria garantido sua ascensão política nem teria tido o apoio necessário para fundar o seu império.

 

Considerações finais

A História Secreta dos Mongóis é uma fonte que possibilita o estudo da sociedade mongol a partir de diversos olhares. Afinal, diferentemente do que acontece com outras fontes chinesas, persas e europeias do século XIII e XIV, os mongóis não são o outro dessa documentação.

 

Desse modo, é a partir da documentação que podemos ter contato com temas que vão de organização social, militarismo, religião, política, geografia a temas menos explorados como gênero e masculinidades. O que torna a fonte necessária para discutir acerca da história mongol.

 

Do século XII ao início do século XIII, as sociedades das estepes se encontravam fragmentadas e em confronto entre elas, sem uma liderança geral que os reunisse em uma confederação. Logo, as alianças eram imprescindíveis para garantir a estabilidade de um povo.

 

Portanto, analisar o caso dos anda possibilita pensar nas continuidades e rupturas da sociedade mongol das quais Temüjin está inserido. Pois, foi com a aliança com Jamuqa e Ong Qan que ele conseguiu adquirir um maior protagonismo de modo a reunir os demais povos para que lutassem sob sua bandeira. Analisar o vínculo desses homens a partir dessa documentação é pensar acerca das complexidades que estão envoltas nas mesmas e de como foi através dela que um império foi construído.

 

Diante do exposto, a masculinidade é um conceito que possui potencial de fazer diversas contribuições aos estudos de diversas sociedades – principalmente as consideradas “orientais”, que costumam ser ignoradas nesses estudos. Assim, discutir masculinidade mongol é observar essa sociedade a partir de um olhar renovado e oferecer outro significado para o conceito de masculinidade.

 

Referências

José Ivson Marques Ferreira de Lima é graduando do curso de bacharelado em História da Universidade Federal de Pernambuco [UFPE] e membro do Laboratório de Estudos de Outros Medievos [LEOM]. Orientado pelo prof. Dr. Bruno Uchoa Borgongino, produz pesquisas sobre História da China, História dos mongóis, gênero e cinema. [ivson.marques@ufpe.br]

 

Fonte

ONON, Urgunge. The Secret History of the Mongols. The Life and Times of Chinggis Khan. London; New York: RoutledgeCurzon Press, 2001.

 

Filme

SANGUE de bárbaros. Direção: Dick Powell. Produção: RKO Radio Pictures. 1956, 1 DVD. 111 min.

 

Bibiliografia

ALLSEN, Thomas T. Mongol imperialism. The policies of the grand qan möngke in China, Russia, and the islamic lands, 1251-1259. Los Angeles; London: University of California Press, 1987.

 

BIRGE, Bettine. Women, property, and Confucian reaction in Sung and Yüan China (960–1368). Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

 

BROADBRIDGE, Anne F. Women and the Making of the Mongol Empire. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.

 

BROOK, Timothy et al. The troubled empire: China in the Yuan and Ming dynasties. Harvard University Press, 2010.

 

CONNELL, Robert W.; MESSERSCHMIDT, James W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, v. 21, p. 241-282, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/cPBKdXV63LVw75GrVvH39NC/abstract/?lang=pt. Acesso em: 05 de set. de 2022.

 

DE NICOLA, Bruno. Las mujeres mongolas en los siglos XII y XIII.: Un análisis sobre el rol de la madre y la esposa de Ghinggis Khan. Acta historica et archaeologica mediaevalia, v. 27-28, p. 37-63, 2008. Disponível em: https://research-repository.st-andrews.ac.uk/handle/10023/5536. Acesso em: 28 de jul. de 2022.

 

DE NICOLA, Bruno. Women in Mongol Iran: The Kahtuns, 1206-1335. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2017.

 

DI COSMO, Nicola. Ancient China and its enemies: the rise of nomadic power in East Asian history. Cambridge University Press, 2002.

 

FAVEREAU, Marie. The Horde: how the mongols changed the world. Massachusetts: The Belknap Press of Harvard University, 2021.

 

GILMORE, David D. Manhood in the making: Cultural concepts of masculinity. Yale University Press, 1990.

 

HUNG, William. The transmission of the book known as The Secret History of the Mongols. Harvard Journal of Asiatic Studies, v. 14, n. 3/4, p. 433-492, 1951. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2718184. Acesso em: 29 de jul. de 2023.

 

MAY, Timothy; HOPE, Michael (ed.). The Mongol World. Londres; Nova Iorque: Routledge, 2022.

 

MORGAN, David. The Mongols. Oxford; Maiden: Blackwell Publishing, 2007.

 

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

 

SNEATH, David. The headless state: aristocratic orders, kinship society, & misrepresentations of nomadic inner Asia. New York: Columbia University Press, 2007.

 

TWITCHETT, Denis; FRANKE, Herbert. (Ed.) The Cambridge History of China, volume 6. Alien regimes and border states, 907-1368. New York: Cambridge University Press, 1994.

 

WEATHERFORD, Jack. The secret history of the Mongol queens: How the daughters of Genghis Khan rescued his empire. New York: Crown, 2010.

6 comentários:

  1. Olá José, excelente texto! O conceito de "anda" que é como uma irmandade juramentada, em que dividem uma vida, feito a partir de um "ritual de sangue", essa união é mais importante que a irmandade consanguínea ou tem valor equivalente/igual? Conforme passa a história, o "anda" de Temüjin e Jamuqa é rompida por este, no caso o que era definido por masculinidade entre os mongóis era mais entorno de questões de honra/moral, de juramentos e lealdades e um pouco menos de "altas capacidades de caça e militares"? A "honra" seria um termo útil para definir como um tripé junto a caça e militares o valor e caracterização de uma masculinidade? Nome: Danilo Lage Brum

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    1. Olá Danilo, agradeço pelas ótimas perguntas.

      Vamos lá, quanto o anda ser equivalente ou superior a uma irmandade sanguínea, eu diria que depende de cada caso, em resumo, os mongóis consideravam ambas importantes e, a julgar por algumas passagens do História Secreta dos Mongóis, o anda era ainda mais importante. Acredito que isso se dá por anda estar relacionado a escolhas e essas alianças sempre envolviam táticas de apoio mútuo do qual também incluíam as famílias e povos de cada indíviduo.

      No caso da masculinidade mongol, temos diversos elementos, que vão desde as habilidades de caça (que era vista como um treinamento para a guerra, então um ótimo caçador era também um ótimo soldado) até ser aquele que tirava o leite de égua (que era fermentado e gerava a kumiss, uma bebida fermentada com teor alcoólico que era um dos alimentos principais). Entre esses atributos físicos e honrosos, eu diria que as duas coisas se acompanham, pois tanto para Temüjin quanto para qualquer outro líder, era importante a confiança de seus soldados, e do respeito deste com as hierarquias estabelecidas.

      Por fim, considerando honra enquanto um distintivo de virtudes valorizadas por uma determinada sociedade, sim, no História Secreta dos Mongóis, Temüjin é sempre considerado como o líder e homem superior por respeitar as suas alianças, mesmo tendo sido traído. Desse jeito, ele era sempre abençoado por Tenggri (Céu Azul), a principal divindade dos mongóis. Além disso, são sempre exaltadas as capacidades dele de caçar, lutar, de estabelecer estratégias e governar.

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  2. Saudações José Ivson!
    Dentre os conceitos de alianças apresentados anda em que Tamujin foi traído por Jamuqa e nokor, é possível que Tamujin e seus generais deram mais importância e preferência a aliança nokor que submete a um tipo de fidelidade baseada na exclusiva lealdade a um líder?
    Clésio Fernandes de Morais

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    1. Olá, Clésio. Muito obrigado pela pergunta!

      Na documentação, há menções de outros generais e líderes de povos que são andas, mas isso é antes de Temüjin ser eleito o líder de todos os povos das estepes asiáticas, Chinggis Qan. Utilizando como base os capítulos 9-12 e a historiografia sobre o Império Mongol (Morgan, 2007; May, 2012; Favereau, 2021), nós acompanhamos um vínculo maior entre o Qan e os seus demais soldados e súditos, essa relação vai sendo estabelecida mediante obediência, fidelidade e mérito cabendo ao Qan ser justo e recompensar bem (no caso de Chinggis Qan, ele dividia os bens através da hierarquia, que era medida através dos feitos de um general). Então, sim, nós acompanhamos uma maior preferência dos mongóis em se relacionar através do laço nökör.

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  3. Salve Ivson!
    Você comenta que a preservação da "História Secreta dos Mongóis" se deu principalmente pelo esforço de letrados chineses após a perda das produções originais. Com isso me surgiu uma dúvida, existem fontes que lidem com a recepção temporalmente próxima ou concomitante que grupos chineses ou outras culturas sedentárias tiveram com as práticas do anda na sociedade mongol? No sentido principalmente de diálogos comparativos a cerca da masculinidade dentro dessas sociedades, e como lidariam ou perceberiam uma prática como essa.
    Meus parabéns pelo trabalho!

    Cristian de Silveira.

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    1. Salve, Cristian. Muito obrigado pela pergunta.

      Então, salvo alguns estudos sobre a contemporaneidade, não há estudos sobre os mongóis do passado numa perspectiva de masculinidade. Na década de 2010 que foram surgindo mais estudos acerca das mulheres mongóis e mulheres de outros povos no Império Mongol (ressalto: são duas coisas bem diferentes). Nesse sentido, eu tô sendo o corajoso em trazer debates nessa perspectiva. Até o caso dos anda veio ganhar uma maior notoriedade agora a pouco (vide o livro The Mongol World, editado por Timothy May e Michael Hope). No entanto, há historiadores como a Marie Favereau que busca lançar alguns detalhes sobre o que seria a masculinidade no mundo mongol. Não é o foco dela, mas ela traz bastante elementos para pensarmos.

      Quanto às fontes, eu diria que seja entre os historiadores ou os viajantes, as relações de gênero no mundo mongol sempre chamaram atenção (vide Carpini e Rubruck).

      Há uma fonte que nos ajuda a pensar de maneira comparada, que é a História de Yuan. Pois são utilizados conceitos chineses para descrever os mongóis. Mas esse é um trabalho que exige muito cruzamento entre as demais fontes.

      Atenciosamente,
      José Ivson Marques

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