ESPIRITUALIDADE E PODER: BREVE ESTUDO SOBRE O XINTOÍSMO NOS DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS DO JAPÃO por Júlia da Silva Amaral

 

Introdução

O Xintoísmo tem raízes muito antigas no Japão, adquirindo caráter religioso somente com a chegada do budismo, do confucionismo e do taoísmo, vindos da China e da Coreia, no século VI d.C. Em japonês, a religião é chamada de Shintô (神道), a origem deste ideograma deriva da junção de dois elementos chineses: shen (), que significa “espírito”, e dao ou too (), que significa “via”, “caminho”. Em português, o termo pode ser traduzido como “Caminho dos deuses” (ou dos espíritos). (RAUTMANN, 2020, p. 19).

 

De acordo com Guilherme Silva (2016, p. 11), os primeiros registros do Shintô encontram-se no Kojiki e Nihongi, dois antigos manuscritos japoneses, datados do século VIII d.C. Essas coletâneas apresentam poemas, princípios cosmogônicos, coleções de mitos e expressões cosmológicas que viriam a ser apropriadas pelas práticas xintoístas. Pode-se afirmar que:

 

O credo e a prática do Xintoísmo têm como eixo a veneração dos seres sobrenaturais chamados kami que supervisionam todos os aspectos da natureza e da vida humana. Acredita-se que esses seres divinos dão a vida a todos os objetos do universo – desde pontos geográficos, tais como o Monte Fuji, até as almas de crianças falecidas. Diz-se que o panteão xintoísta contém um número infinito de kami – e muitos deles são divindades que vieram do budismo e do taoísmo e foram incorporadas ao Xintoísmo. (LITTLETON, 2010, p. 24 apud SILVA, 2016, p. 35).

 

Os primórdios do Xintoísmo

Em aproximadamente 8000 a.C., inicia-se o Período Jomon. Nesse período, a cultura tornou-se mais multifacetada e os instrumentos foram feitos a partir da pedra polida. É nesse momento que se encontram os primeiros traços do que viria a se tornar as crenças do Xintoísmo e o culto aos kami. “A população coletora e pescadora, nesse período anterior aos registros escritos, fabricava os dogu, que são figuras femininas estilizadas, consideradas como figuras de fertilidade.” (RAUTAMANN, 2020, p. 29). Acredita-se que essas figuras, encontradas dentro de túmulos, estavam ligadas ao culto à fertilidade.

 

As comunidades do período posterior, o período Yayoi, organizaram-se por meio de clãs, e cada clã cultuava seus kami, para serem protegidos de inimigos e terem suas terras guardadas. Para Sakurai (2008, p. 86), o Xintoísmo primitivo era formado por um culto animista, com oferendas aos kami de cada clã e seus ancestrais, ligado ao temor e ao respeito às forças da natureza, como as erupções vulcânicas, terremotos e maremotos.

 

Nos túmulos dos lavradores de arroz são encontradas algumas imagens pequenas de cerâmica que representam os depósitos nos quais eram armazenados os grãos. [...] Acredita-se que, com a introdução da cultura do arroz, surgiram os rituais que celebram a semeadura e a colheita, rituais estes que são preservados no Xintoísmo, de alguma forma, até hoje. (RAUTMANN, 2020, p. 31-32)

 

Evidências arqueológicas relatam o surgimento de um novo período, chamado Kofun, iniciado por volta do século III. Este período marca uma organização social mais sofisticada, e também a formação de reinos por todo território japonês. É neste momento que o Kojiki narra a existência do grande reino de Yamato, responsável por conquistar Honshu, a principal ilha com planície fértil do Japão. Acreditava-se na ligação direta da lendária rainha Himiko, a “filha do sol”, com kami Amaterasu, o kami do Sol, e portanto, a hegemonia de Yamato estaria justificada. Assim, surge o imperador Jimmu, o primeiro da linhagem de imperadores descendentes de Amaterasu que viriam a governar o Japão. (SAKURAI, 2008, p. 88-89)

 

O reino de Yamato era a região que contava com maior número de contatos com outras culturas do continente asiático, como a chinesa e a coreana. O estreitamento do contato com a cultura desses outros países modificou a maneira como os japoneses se organizavam socialmente, politicamente e religiosamente. Essas mudanças levaram a um novo período, denominado Asuka, que aconteceu entre os anos de 552 a 710. É nesse momento que o Budismo do tipo chinês chega ao Japão, a partir da passagem pela Coreia. Alguns clãs rivais se manifestaram contra a introdução budista, enquanto outros se mostraram a favor (SAKURAI, 2008, p. 97).

 

Segundo a tese proposta pelo historiador literário Tsuda Sokichi, os mitos foram conscientemente manipulados pelos nobres da corte Yamato dos séculos VI e VII. O kami principal - Amaterasu, Susanowo no mikoto, o casal kami criador (Izanagi e Izanami), e o kami de Izumo Onamuchi) - não eram venerados entre as pessoas comuns. Em vez disso, os mitos sobre esses kami, de acordo com Tsuda, foram produtos de um esforço consciente para construir uma ideologia política para a corte de Yamato (BROWN, 1993, p. 323, tradução nossa).

 

Para o historiador Toshio Kuroda, o Xintoísmo coexistiu com o Budismo de forma harmoniosa até o fim do Período Heian (794-1185) e ao longo do Período Kamakura, mas foi só no Período Meiji (1868-1912) que a noção de Xintoísmo não budista ganhou ampla aceitação, e passou a ser executada de maneira prática. “Foi em grande parte devido às políticas repressivas da Restauração Meiji que o Xintoísmo alcançou pela primeira vez o status de uma religião independente” (SCHEID; TEEUWEN, 2002, p. 197 apud SILVA, 2016, p. 42).

 


 

O Xintoísmo de Estado

O Xintoísmo foi elevado à condição de religião estatal no ano de 1871, devido a restauração do poder do imperador. O Japão havia saído de anos de isolamento com o exterior após passar pelo xogunato, onde era governado militarmente pelo Xogum com o auxílio dos Samurais. Após a reabertura, o país necessitava se adaptar o quanto antes às exigências do mundo na época. Para o historiador Eric Hobsbawm (1995, p. 161-162), o plano de “ocidentalização” do Japão, a partir da Restauração Meiji, foi o mais convicto e bem-sucedido de uma nação que desejava ser mais moderna. Contudo, o foco não era se ocidentalizar (no quesito de absorver totalmente os valores dos estados que utilizava como modelo), mas sim, tornar viável o Japão tradicional.

 

Uma novidade que o Período Meiji trouxe foi a promulgação da primeira Constituição japonesa. Os estadistas desse período estariam envolvidos em todos os campos de atividade, político, religioso ou econômico, e determinariam os deveres que o Estado e o povo deveriam exercer. No âmbito religioso, o Estado era responsável por separar o Xintoísmo praticado pela nobreza, o considerado Estatal, e o culto aos kami periféricos, feitos em santuários (SILVA, 2016, p. 44).

 

Dessa forma, foi fundado o Departamento de Assuntos Religiosos (Jingikan), criado para fiscalizar as práticas xintoístas. Em 1871, o departamento foi elevado à categoria de Ministério da Religião (Jingishô) e através desse ministério, os santuários xintoístas passaram a recolher as taxas de registro de nascimento e morte, funções estas que anteriormente eram realizadas por templos budistas (RAUTMANN, 2020, p. 22).

 

Silva (2016, p. 44) afirma que o uso do Xintoísmo pelos estadistas foi uma grande jogada política, já que ela era a única religião originalmente japonesa, além da mais antiga em solo nipônico, e acabou sendo uma ferramenta para legitimação do Império. O sentimento de veneração e culto aos antepassados é algo que sempre esteve presente na cultura japonesa, e não tardou para que os líderes do Período Meiji utilizassem desse sentimento para impor que o imperador seria o grande ancestral do povo nipônico, descendente direto de Amaterasu.

 

Dessa maneira, “o governante supremo passou a ser considerado o representante material do céu na terra, aquele que combinaria o poder e a misericórdia em sua própria pessoa” (RAUTMANN, 2020, p. 22). Partindo desse conceito, foram instituídos ritos e cultos em devoção ao imperador, denominado de arahitogami, traduzido como “um deus que é ser humano”. (RAUTMANN, 2020, p. 22).

 

A construção da historiografia passou por alteração em razão das múltiplas mudanças que aconteceram no campo social, político, econômico e religioso. Há quatros grupos distintos que compõem as linhas historiográficas japonesas:

“(...) o primeiro tinha uma visão de mundo confucionista, pensando no mundo de forma hierarquizada, tendência que acabou influenciando a política educacional do período; outra vertente baseava-se na filologia chinesa Han, que negavam qualquer origem mítica ou superstições do confucionismo mais clássico; haviam também os da vertente civilizatória, ou de abertura; e por último os xintoístas, que não se encaixavam no sistema do xogunato Tokugawa, vigente no período anterior. No período da Restauração, os acadêmicos desta última vertente de pensamento incorporam o uso estatal do xintoísmo como ferramenta ideológica e promovem oposição a templos budistas, assim como buscam uma visão tradicional e com aspectos religiosos mais acentuados da história.” (SILVA, 2016, p. 45).

 

Com a chegada do século XX, o Japão se envolveu na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), na qual aliou-se à Tríplice Entente, vitoriosa no conflito. Contudo, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o desfecho não foi o mesmo para a Terra do Sol Nascente. O grupo que integrava, denominado o Eixo, formado também por Alemanha e Itália, saiu derrotado do confronto pelo grupo dos Aliados (formados pelo Reino Unido, França, União Soviética e, posteriormente, Estados Unidos). A rendição do Japão somente aconteceu após os lançamentos das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, feitos pelos Estados Unidos.

 

Xintoísmo no pós-guerra

Os japoneses ficaram completamente abalados após a derrota na guerra. “Enquanto a propaganda oficial elevava o Japão a um nível sagrado, protegido pelos deuses e com um Imperador descendente direto de Amaterasu Omikami, praticamente invulnerável, a realidade foi um grande choque (...)” (SILVA, 2016, p. 48). Foi neste momento que os Estados Unidos ocuparam grande parte do território japonês, e o Comando Supremo das Forças Aliadas (CSFA) tornou-se responsável pela supervisão da reconstrução política e econômica do país, sob o comando do General Douglas MacArthur. (MACEDO, 2019, p. 668).

 

Em dezembro de 1945 foi promulgada a Diretiva Shinto, um decreto no qual especificava a separação entre o Estado e a Religião no período pós-guerra. O documento reforçava que “o patrocínio, apoio, perpetuação, controle e divulgação do Shinto pelos governos nacionais, provinciais e locais japoneses, ou por funcionários públicos, subordinados e funcionários que agem a título oficial são proibidos e cessará imediatamente” (SILVA, 2016, p. 48).  Portanto, passou a ser proibido o uso de qualquer aspecto do Xintoísmo para campanhas militares. Um dos decretos mais importantes da Diretiva Shinto foi aquele que obrigava o Imperador a renunciar sua imagem de ancestralidade divina assim como todos os aparatos relacionados. E assim, o Imperador Hirohito abandonou todos os rituais da corte. (RAUTMANN, 2020, p. 22). No entanto,

 

A instituição imperial foi mantida em virtude do relevante significado histórico da realeza, que na mitologia japonesa era originada dos próprios deuses, uma das crenças mais fortes da cultura nacional até então. A importância dessa decisão tem implicações diretas sobre a governabilidade do Japão uma vez que a população historicamente sempre considerou a figura do Imperador como pilar da cultura nacional, tendo a derrota na guerra significado um profundo choque no imaginário popular. Sendo assim a forma de governo arquitetada pelas forças da Ocupação foi a de uma monarquia constitucional como governo parlamentar. (PERES, 2010, p. 76-77).

Em novembro de 1946 foi promulgada uma nova Constituição, vigente até os dias atuais. Seguindo a nova Constituição, o governo passou a ser formado de uma Dieta de duas câmaras eleitas pelo sufrágio universal adulto, incluindo o voto feminino:

 

“1) Casa de Conciliadores, com 250 membros dos quais três quartos eleitos pelas províncias como seus representantes, renovável a cada três anos; 2) Casa dos Representantes, com 467 membros eleitos pelos distritos. Partidos políticos voltaram a ter o seu papel na formação dos governos.” (SAKURAI, 2008, p. 277).

 

Dado o contexto, a sociedade japonesa passou por uma série de mudanças. No campo religioso, por exemplo, foi garantido o direito à liberdade para expressar a espiritualidade que desejasse, apesar do culto ao kami nunca ter sido imposto, e sim manipulado pelo Estado. Na política um novo modelo democrático foi apresentado, pautado nos moldes estadunidenses, bem como a economia, que se alinhou ao capitalismo ocidental. A educação escolar também foi de grande importância para a renovação cultural, visto que novas diretrizes educacionais foram estabelecidas e o material didático foi mudado, visando agora os valores comunitários ao invés dos valores individualistas (SAKURAI, 2008, p. 281). Desse modo, rapidamente o Japão conseguiu se reinventar e se reerguer após enfrentar a pior derrota em guerra na história do país.

 

Considerações breves

Através dos textos mitológicos nipônicos existentes, o Xintoísmo explana a gênese de todas as coisas que conhecemos ou não. O shintô foi um dos elementos fundamentais para a construção da identidade japonesa. A conexão da casa imperial com o kami do Sol, Amaterasu, gerou nos japoneses um grande sentimento de patriotismo e lealdade, fazendo com que enxergassem o país além da terra e solo, mas também como uma moradia sagrada dos kami. (OMENA, 2008, p. 5). Mesmo depois de realizada a análise de todo o conteúdo estudado, é importante relembrar que o Xintoísmo é uma religião étnica, sendo compreendida de fato apenas pelos seus praticantes nascidos no Japão.

 

 

Referências

Júlia da Silva Amaral é graduada em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Email: juliaamaral.ufes@gmail.com

 

BROWN, D. M. The Cambridge History of Japan Volume 1: Ancient Japan. Cambridge University Press. Avenue of The Americas. NY. 1993.

 

HOBSBAWM, E. A era dos extremos: o breve século XX - 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

 

MACEDO, E. U. História da Ásia. Amazon Independent Publishing, 2019.

 

OMENA, Luciane Munhoz de; SILVA, Altino Silveira. O Estado Meiji e a religião shintô. Revista Nures, São Paulo, p. 1-11, maio/setembro 2008. Disponível em: http://www.pucsp.br/revistanures. Acesso em: 14 maio 2023.

 

PERES, L. de A. Religião e Segurança no Japão: Padrões Históricos e Desafios no Século XXI. [Dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2010.

 

RAUTMANN, R. Xintoísmo. 1ª. ed. Curitiba: InterSaberes, 2020. 200 p. v. 1.

 

SAKURAI, C. Os Japoneses. São Paulo. Ed: Contexto, 2008.

 

SILVA, G. Xintoísmo e produção de presença: a espiritualidade no mangá Mushishi. 2016. Monografia (Bacharelado e Licenciatura em História) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.

11 comentários:

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  2. Apesar da autora comentar sobre a elevação de religião estatal do Xintoísmo em 1871, ela faz parecer que este status permaneceu até o final da segunda guerra mundial, o que não acontece. Segundo Maxey em "The Greatest Problem: Religion and State Formation in Meiji", o governo, buscando a aceitação dos países Europeus e dos EUA, afasta-se de uma religião oficial e declara na Constituição de 1889 a liberdade religiosa, contanto que não fossem prejudiciais a paz e ordem, bem como não fosse antagônico aos deveres dos súditos. O governo então, para não contrariar a Constituição, aproveita que o próprio conceito de religião no Japão era algo novo e afasta o Xintoísmo da religião, passando a considerar a reverência ao imperador, visita a santuários etc, como deveres dos súditos japoneses. Portanto o Xintoísmo passa por algumas mudanças desde a Restauração Meiji até o final da Segunda Guerra Mundial (Religião Oficial -> obrigação do súdito -> Religião etnica). Gostaria de saber a visão da autora sobre essa mudanças, em especial, a mudança de religião oficial para obrigação dos súditos.

    Cássio Gabriel de Campos Silva

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  3. Bom dia, Julia, e parabéns pelo texto conciso e bem escrito! Você saberia me dizer (ou intuir) quais foram as principais transformações no xintoísmo e/ou na percepção do xintoísmo pela sociedade japonesa após a proibição de seu uso para campanhas militares e a promulgação da nova Constituição em novembro de 1946?
    Cláudio Augusto Ferreira

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    1. Boa noite, Cláudio. Obrigada pelas considerações e por sua pergunta. Vou ficar te devendo sobre a percepção após a proibição do uso em campanhas militares. Sobre a Constituição de 1946 sabe-se que esta afetou fortemente o imaginário da sociedade nipônica da época, principalmente com a desmitificação da imagem do Imperador e sua ancestralidade divina. O choque com o pós-guerra foi tanto que atingiu até mesmo grupos de imigrantes japoneses no Brasil, fazendo com que se dividissem entre imigrantes que aceitavam a derrota nipônica, e imigrantes que se recusavam a aceitar que a sua nação (sempre protegida pelo divino), sairia derrotada de uma guerra.
      Para melhor compreensão, recomendo a leitura do trabalho de Guilherme Silva que está nas minhas referências. Espero ter ajudado de alguma forma.
      Abraços,
      Júlia da Silva Amaral.

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  4. Boa tarde Júlia, parabéns pelo texto.
    Ao falar do que poderia ser os primórdios do Shinto você menciona o historiador Kuroda Toshio, o que me recordou sobre o artigo dele "Shinto in the History of Japanese Religion". Neste texto ele debate os significados do termo Shinto durante a história japonesa, além de colocar que antes do período moderno, Shinto não existiu como religião autônoma. O que parece ocorrer é que elementos que hoje são reconhecidos como parte do Shinto estavam inseridos no que Kuroda chama de Budismo Kenmitsu, o que inclui os próprios Kami.
    Você coloca no final da parte sobre os primórdios que Shintoísmo e Budismo coexistiram em harmonia até o período Meiji, momento em que se busca um Shintoísmo não budista. Minha questão é: não seria mais interessante debater se essa noção de coexistência é relativa, pois as práticas Shinto eram em si práticas Budistas? Não quero dizer que não existiram cultos aos Kami ou aos ancestrais, por exemplo, antes do Budismo chegar ao Japão, mas sim que isso acaba sendo absorvido pelo próprio Budismo e se tornando parte de uma única coisa durante o período pré-moderno. Isso coloca o Shintoísmo do período Meiji como uma tentativa de criação de uma religião típica japonesa para legitimar o novo governo, não a separação de duas religiões que teriam sido autônomas desde o início.
    Um professor certa vez me questionou se não deveríamos, inclusive, relativizar a própria ideia de um "primórdio" do Shinto. Não poderíamos pensar outros termos para nos remeter às religiosidades que possam ter existido no arquipélago antes do Budismo, evitando assim anacronismos que o Shinto da era moderna carrega consigo?
    Nikita Chrysan da Silva Pires

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    1. Boa noite, Nikita. Muito obrigada pelo seu comentário. Sinto que para mim ele foi mais como um debate reflexivo, o que é ótimo, pois me estimula a pensar sobre o tema. Concordo com o que foi dito a respeito da relativização da coexistência budista-xintoísta, e da necessidade de se repensar termos para as religiosidades praticadas no Japão antes da chegada do Budismo. Se você tiver indicação de outros trabalhos sobre essa temática me mande aqui nos comentários por favor ou no meu email que está no final do texto. Como esse é meu primeiro trabalho sobre o tema, estou buscando sempre novas bibliografias e discussões pertinentes.
      Abraços,
      Júlia da Silva Amaral.

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    2. Boa tarde Júlia. A princípio o que posso te sugerir é o próprio "Shinto in the History of Japanese Religion" do Kuroda Toshio, mas vou guardar seu e-mail e envio novas referências mais tarde. Também estou ainda começando meus estudos na área, mas é muito bom saber do seu interesse pelo tema.
      Forte abraço.
      Nikita Chrysan da Silva Pires.

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  5. Bom dia, Júlia!

    Parabéns pelo trabalho, um tema muito interessante, texto bem escrito e esclarecedor. A minha dúvida é: você, ao citar Sakurai, afirma que alguns clãs se opuseram à introdução do budismo, enquanto outros foram favoráveis. Quais as razões de tal oposição no caso dos primeiros e como os segundos, frente a essa resistência, justificaram seu apoio à nova religião?

    Carlos Alejandro Rico Guevara

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    1. Bom dia, Carlos! Obrigada pelo comentário! Respondendo a sua questão, a própria Sakurai (2008) desenvolve a respeito dessa relação conflitante dos clãs em sua obra. Quando budismo foi introduzido em terras nipônicas, o clá Yamato já se organizava politicamente com a imagem do Imperador como o grande chefe, enquanto outros líderes de clãs poderosos formavam uma aristocracia, e, constantemente, disputavam entre si o exercício de poder. Na chegada do ano de 552, o Imperador recebeu de presente do rei de Paikche (na Coreia atual) uma imagem de Buda e, em resumo, fez a seguinte pergunta: "Este Buda deve ser venerado ou não?". Foi assim que surgiu um novo conflito entre aqueles clãs rivais que formavam a aristocracias, gerando prós e contras a essa introdução, que honestamente não diz respeito ao Budismo em si, mas sim, a uma maneira de medir prestígio e força. Espero ter elucidado sua questão.
      Abraços,
      Júlia da Silva Amaral.

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  6. Olá, Júlia. Primeiramente, gostaria de parabenizar pelo excelente texto.
    Ao meu vê, uma compreensão profunda sobre o imaginário japonês sempre perpassará pelo estudo do shintô. Logo, o seu texto e a reflexão levantada é de suma importante, sobretudo ao considerarmos as "discussões" e "interpretações" levantadas pelos japonistas do século XIX sobre o credo "fundador" da sociedade japonesa.
    Além disto, como sabemos, o governo Meiji manipulou com maestria sua cultura e tradição em busca de consolidar um senso ético e projeto de nação que pudesse assegurar sua independência frente ao perigo imperialista ocidental, como Hobsbawm salienta, invenção de tradições. Desta maneira, educação e religião estão intrinsicamente imbricados na construção dessa nação, como o Rescrito Imperial sobre a Educação salienta.
    Feito essa breve consideração, a minha pergunta é:
    Em que medida, o shintô pode ter contribuído para a consolidação do sacrifício e da piedade filial do súdito para com o Imperador?

    Agradeço desde já pela paciência, e agradeço desde já pela resposta.
    Atenciosamente,
    Edvan Pereira Costa Rufino.

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    1. Bom dia, Edvan! Obrigada pelo comentário! Concordo com seus apontamentos e sua pergunta é muito boa, acredito que o Shintô tenha sido um fator decisivo para esta consolidação, visto que o culto ao Imperador era parte da religião oficial. Contudo, ainda não me sinto qualificada para discorrer mais sobre, pois acredito que somente com essa pergunta será possível nortear um outro estudo.

      Abraços,
      Júlia da Silva Amaral.

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