CONVERGÊNCIA DA ESTÉTICA DOS MANGÁS EM AUTORIAS AFRICANAS: UM BREVE EXAME DO UNIVERSO HÍBRIDO DE JUNI BA, por Márcio dos Santos Rodrigues


A popularidade dos mangás – ou seja, dos quadrinhos japoneses – tem se expandido ao redor do mundo nas últimas décadas, em razão de suas adaptações em outras mídias como animes, games e filmes live-action, além da disponibilidade cada vez maior de títulos traduzidos e digitalizados para o consumo internacional. Num cenário cada vez mais globalizado como o contemporâneo, com seus dispositivos e mecanismos de circulação de produtos culturais em nível transnacional, os mangás encontraram espaço para se disseminar. Autores como Frederik L. Schodt, que com seu Manga! Manga!: The World of Japanese Comics (1983) foi um dos primeiros estudiosos a explorar em profundidade o fenômeno dos quadrinhos (também chamados de HQs) fora do Japão, e Marc Steinberg, com sua obra “Anime's Media Mix: Franchising Toys and Characters in Japan” (2012), já haviam destacado o papel das produções japonesas na formação de uma estética visual e narrativa que, embora profundamente enraizada em sua cultura de origem, seriam capaz de transcender barreiras culturais e linguísticas para encontrar ressonância em públicos diversos em todo o mundo. Steinberg ressaltou, particularmente, o papel dos mangás como mercadoria cultural global, situando-os dentro de um ecossistema maior de media mix que inclui anime, videogames, brinquedos e outros produtos.

 

Em diferentes países de África, artistas estão e têm dialogado com esse ecossistema examinado por Steinberg, criando obras que combinam elementos estilísticos e narrativos dos mangás com temas e contextos africanos, em um processo marcado por hibridismos culturais. Quadrinistas que vivem fora do continente também têm contribuído significativamente para este processo, trazendo suas experiências pessoais, culturais e diaspóricas para suas obras. Aqui pode-se evocar Néstor García Canclini, antropólogo e teórico cultural argentino, que com “Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade” (1990) discutiu os processos de hibridização cultural, similares aos que podemos ver no caso de produções genericamente chamadas de “mangafrica” – termo que correlaciona mangá e África. Por culturas híbridas, Canclini se refere à mistura de diferentes tradições culturais em um novo produto ou forma cultural, um fenômeno que é amplamente observado em um mundo globalizado, onde os fluxos culturais não são mais limitados por fronteiras geográficas. A ideia central é que as culturas não são estáticas e puras, mas sim dinâmicas e influenciadas por trocas constantes. O mangafrica é um exemplo perfeito de como culturas podem surgir e se desenvolver em um contexto de intercâmbio cultural.

 

Global Manga: “Japanese” Comics without Japan? (2015), organizado pela pesquisadora Casey Brienza, é outra obra fundamental que nos ajuda a entender a dimensão de hibridismos em torno das HQs oriundas do Japão. Este livro explora como os mangás se transformaram em um produto global, com artistas e fãs em todo o mundo recriando e reinterpretando este estilo de arte de modo a expressar seus contextos culturais. Desfilavam nas páginas do livro organizado por Brienza temas como a influência do manga na cultura feminina na América do Norte (p.23-44); as negociações de diferenças culturais em obras como Scott Pilgrim e MANGAMAN;  as dimensões híbridas do “euromanga” (p.75-93), as questões étnico-raciais  envolvendo o fandom de anime e mangás nos Estados Unidos (p.95-113), o movimento da Nouvelle Manga na França (p.115-132), a moda gótica nos mangás alemães (p.147-166), as narrativas da apropriação pela Marvel Comics (p.167-184), e o mangá na indústria de quadrinhos das Filipinas (p.185-199). Há inclusive um capítulo curtíssimo de pesquisadores do Observatório de Quadrinhos da USP sobre o estilo e produção de mangá no Brasil (p. 45-54), que, em minha opinião, careceria de uma abordagem mais aprofundada sobre o impacto dos mangás na cultura de HQs brasileira, considerando a crescente popularidade, aspectos de hibridismos e não se deter tanto em ídolos de origem para a criação de quadrinhos brasileiros em estilo mangá. Nesse livro não há um capítulo específico dedicado à influência dos mangás na produção de obras em contextos africanos. As menções sobre o continente na obra são tão-somente breves, pontuais, e, por vezes, tomam África como se fosse um país. Diante dessa lacuna, este texto coloca a necessidade de se estudar os processos de circulação e recepção de mangás entre autores ditos africanos.

 

Tal fenômeno, acredito, deve ser estudado tendo em conta o caráter afropolitanista desses artistas, isto é, a predisposição deles de se engajar ativamente em trocas culturais globais. Ao adotarem e reinterpretarem o estilo dos mangás estão consumindo referências externas e, simultaneamente, redefinindo o que significa ser um artista de quadrinhos africano na era globalizada. Esta perspectiva afropolitanista enfatiza a flexibilidade cultural, a mobilidade e o hibridismo. Mbembe trata disso, através do conceito de “afropolitanismo”, formulado inclusive por ele, para defender a ideia de que a identidade africana moderna é moldada por uma confluência de culturas, histórias e experiências de vida tanto dentro como fora do continente africano. O conceito, como Mbembe descreve, surge como uma rejeição do localismo restrito para afirmar África como parte integrante do mundo contemporâneo, não isolada ou à margem, mas em constante diálogo e intercâmbio com outras culturas. Nessa perspectiva, os artistas africanos que incorporam estilos de mangá em suas obras não estão simplesmente imitando uma forma de arte estrangeira, mas participando ativamente de um diálogo cultural global, redefinindo e enriquecendo tanto o campo do mangá quanto das HQs a partir de uma perspectiva africana.

 

Problematizando a ideia de mangá africano

Aqui não se defende a ideia de mangá africano, tampouco a ideia de que autores estariam fazendo uma cópia ou imitação de produções do Japão, mas sim como uma fusão de elementos da cultura africana com repertórios dos quadrinhos japoneses configura algo novo, híbrido. A própria ideia de mangá africano deve ser entendida com ressalvas, de forma a não reificar categorizações estanques ou exotizar essa produção. Deste modo, aciono novamente aqui as ideias de Cancllini sobre hibridismo cultural e as contribuições que esse fenômeno traz para a construção de identidades múltiplas e em constante diálogo. Ao rejeitar o conceito de “mangá africano”, reafirmo a importância da nuance, do contexto e da individualidade na criação artística, reconhecendo que os artistas africanos que utilizam elementos do mangá estão criando obras que são ao mesmo tempo pessoais e universais, africanas e globais.

 

Eventualmente, é possível ver tentativas de enquadrar todas as produções em quadrinhos africanas que se inspiram no mangá japonês sob o rótulo de “mangafrica”, o que, a meu ver, conduz a uma visão simplista e generalizante. Se utilizo aqui mangrafrica é justamente como categoria nativa, como um termo de conveniência, sem, no entanto, me limitar a essa definição e reconhecendo a singularidade de cada obra e autor.

 

Para este texto, discutirei o trabalho de um quadrinista que tem navegado nessa intersecção de influências de maneira particularmente interessante: Juni Ba, artista senegalês radicado na França. Ba, que nasceu em 1992, vem ganhando reconhecimento internacional por sua arte que combina uma ampla variedade de influências, não apenas do mangá japonês, mas dos quadrinhos em geral. Ele é um dos tantos artistas que tem construído seu estilo narrativo e visual a partir de uma mistura complexa de influências culturais diversas. Em virtude de a exigência deste texto ter um número específico de palavras, precisei fazer um recorte, mas nesse cenário de produções destacam-se autores como, por exemplo, o nigeriano Huzafya Umar, conhecido artisticamente como Zayf (autor da série Orisha), Odunze Oguguo, também nigeriano e que responde pelo apelido Whyt Manga, e Pap Souleye Fall, artista senegalês autor da série Oblivion Rouge. Os três têm seus trabalhos publicados na plataforma Saturday AM, uma revista digital de mangá, que publica trabalhos de artistas de diversas partes do mundo, incluindo trabalhos de africanos. São autores que serão discutidos em um momento futuro, quem sabe em outra edição deste simpósio ou mesmo em um artigo mais extenso. Por enquanto, me concentrarei no estudo de produções de Juni Ba, cujo trabalho apresenta esse componente de diálogo com diversas influências artísticas e culturais que atravessam fronteiras geográficas.

 

A convergência de culturas em obras de Juni Ba

Radicado atualmente em Montpellier, na França, Juni Ba tem se dedicado a projetos variados, da ilustração para campanhas publicitárias até a criação de obras seriadas e graphic novels (em português, romances gráficos) de sua própria autoria, da criação de capas para livros infantis a trabalhos como ilustrador freelancer para revistas em quadrinhos nos Estados Unidos. A publicação de Djeliya, seu primeiro romance gráfico, publicado pela TKO Studios nos Estados Unidos, fez com que Ba se tornasse um dos jovens talentos africanos mais proeminentes no cenário global dos quadrinhos. Aqui no Brasil Djeliya teve uma versão, editada e traduzida por mim no ano de 2021.


Figura 1:
Capa original de Djeliya, lançado pela TKO Studios. Fonte da imagem:  BA, Juni. Djeliya: A West African Fantasy Epic. Los Angeles: TKO Studios, 2021.

 

Djeliya é uma história de fantasia épica que se passa em um universo em que tradições orais dos djeli da África Ocidental – isto é, das figuras que atuam como contadores de histórias, historiadores e músicos - dialogam com elementos entendidos como futuristas, embora não se possa pensar em Djeliya como afrofuturista. É, na verdade, africanofuturista, já que a perspectiva é intrinsecamente africana, moldada pelas tradições, histórias e culturas do continente. Portanto, não se limita a retratar um cenário africano influenciado por tecnologias “avançadas”, mas retrata um futuro que é informado e moldado pelas complexidades do passado e do presente africanos. Este termo advém de “africanofuturismo”, cunhado pela autora nigeriana-americana Nnedi Okorafor (2019) para distinguir a representação da África no afrofuturismo, que frequentemente é filtrada através de uma perspectiva diaspórica e pode correr o risco de simplificar ou generalizar as experiências africanas, e aquelas centradas em realidades africanas contadas e formuladas por ditos africanos.

 

Djeliya é um exemplo de como os artistas do continente dialogam com múltiplas referências, desde os quadrinhos estadunidenses ao mangá japonês, dos seriados tokusatsu às animações do Cartoon Network (particularmente, Samurai Jack). Em Djeliya há uma foto do próprio Ba segurando um robô gigante de brinquedo, que faz referência ao gênero mecha dos animes japoneses e dos seriados tokusatsu. Ao mesmo tempo em que ele se apropria dessas referências estrangeiras, adiciona elementos culturais da África Ocidental em suas ilustrações, como as máscaras de madeira usadas pelos personagens. Ba, assim, cria uma história que é, ao mesmo tempo, conectada com sua própria cultura e tradições, mas também inserida na linguagem global das HQs. Em um de seus quadrinhos mais recentes, Monkey Meat, lançado pela Image Comics, vemos referências às produções nipônicas de forma mais evidente. Trata-se de uma série ambientada em uma ilha transformada em uma realidade hiper-capitalista pela Monkey Meat Company, uma megacorporação que fez fortuna vendendo carne processada em todo o mundo. Aqui vemos uma crítica social aguçada disfarçada de uma história gráfica de aventura, com cores bastante vibrantes e saturadas, que se contrapõem à narrativa por vezes sombria.

 


Figura 2:
Capa de Monkey Meat. Fonte da imagem: BA, Juni. Monkey Meat: The First Batch. Portland, OR: Image Comics, 2022.

 

 

Acompanhamos a vida dos habitantes dessa ilha quando eles se esforçam para encontrar equilíbrio e felicidade em um mundo dominado não apenas por essa grande empresa, mas também pelos desafios trazidos pelo choque de tradições locais e modernidade forçada. Os personagens da série apresentam características típicas das animações e dos mangás, sendo representados por linhas expressivas e contornos fortes, além de inseridos em cenas de ação carregadas de movimento e dinamismo. Juni Ba não é propriamente um autor de mangafrica, mas incorpora em Monkey Meat elementos e referências diretas ao universo dos mangás. Um exemplo evidente disso aparece no segundo número (publicada em uma edição individual e, posteriormente, em um compilado reunindo os volumes de 1 a 5). Abaixo vemos uma das poucas passagens sem cor, na qual Harricot, personagem destaque da edição (apresentado como um aficionado em mangás e vítima de bullying), aparece segurando uma revista de King Saru:

 

Figura 3: Cena de Monkey Meat #2 apresentando Haricot e King Saru. Fonte da imagem: BA, Juni. Monkey Meat: The First Batch. Portland, OR: Image Comics, 2022.

 

Vemos acima um quadrinho dentro de um quadrinho, um uso bem evidente do conceito/recurso de metalinguagem, onde uma obra faz referência a outra dentro dela mesma. Aqui King Saru é um mangá fictício dentro de Monkey Meat. Vale mencionar que a palavra “saru” é a palavra mais comum em japonês para “macaco”. Literalmente, o nome do personagem pode ser traduzido como “Rei Macaco”. Temos aqui a fusão de duas palavras, sendo uma de origem japonesa e a outra em inglês, do idioma em que a obra é apresentada, criando um diálogo intercultural dentro da própria narrativa. Não faria menor sentido algum, acredito, verter literalmente King Saru para o português ou para qualquer outra língua, pois essa tradução eliminaria a intenção artística e a dimensão cultural intrínsecas na escolha original do nome. Uma simples tradução por “Rei Macaco” não consegue transmitir a essência deste personagem, que é um ponto de convergência de culturas distintas. Além disso, é comum vermos que no Japão mangás costumam receber títulos com palavras em inglês (esse fenômeno, conhecido como “Engrish”, é uma forma também de globalização).

 

Vale a pena ressaltar que Juni Ba, o autor, se expressa inglês, mas, como senegalês, é um falante nativo de outros idiomas, como o francês (língua imposta pelo colonialismo em África) ou algum idioma local do Senegal. Como estamos diante de uma autoria que transita por diversos idiomas, estando inserido em uma realidade multilíngue, é possível ver essa passagem e/ou mesmo a Monkey Meat em sua totalidade como um exemplo de obra marcada por um processo de hibridização cultural.

 

Sobre a representação dos macacos na cultura japonesa, cumpre dizer que eles têm uma forte presença simbólica, associada a diversos significados e mitologias. São figuras proeminentes na religião, folclore e arte japoneses, figurando também em expressões idiomáticas. Há um provérbio pictórico japonês sobre a figura de três macacos sábios: “Não veja o mal, não ouça o mal, não fale o mal”. Um deles, Mizaru, não vê o mal por preferir cobrir os olhos; Kikazaru, por sua vez, ouve o mal, mas, imprudente, cobre os ouvidos; e, por fim, Iwazaru, que não fala o mal, mas cobre a boca. É um provérbio que ensina que o mal deve ser, em qualquer hipótese, evitado ou mesmo ignorado. Acredita-se que esse provérbio seja de origem chinesa, tendo chegado ao Japão a partir de lendas do budismo Tendai do século VIII. A frase também existe em versões chinesas e possui sentidos semelhantes. No original, se vê um jogo de palavras entre verbos e o termo “saru” (macaco). Há ainda no contexto japonês o provérbio “Saru mo ki kara ochiru” (猿も木から落ちる), que significa literalmente “Até mesmo macacos caem de árvores”, sendo usado para expressar que até mesmo pessoas habilidosas cometem erros.

 

Ba, através do King Saru, evoca personagens como Uzumaki Naruto (うずまきナルト) e o Rei Macaco, personagem de Jornada ao Oeste 西||, um romance chinês do século XVI. Comecemos pelo Rei Macaco ou melhor, por Sun Wukong (孫悟空). Trata-se de um personagem conhecido por sua astúcia e habilidades mágicas, frequentemente retratado em mangás e animes, como, por exemplo, Dragon Ball, onde o personagem Son Goku ( 悟空) é inspirado em Sun Wukong. Inclusive, o protagonista de Dragon Ball tem um bastão chamado Nyoibō, semelhante ao Ruyi Jingu Bang de Sun Wukong. Assim como o cajado do Rei Macaco, o Nyoibō também possui propriedades mágicas e é capaz de se estender e encolher à vontade de Goku. Goku ainda se transforma na forma oozaru – isto é, um gigantesco macaco - quando a lua cheia está presente. Nas mãos do King Saru de Monkey Meat vemos também um bastão, um possível aceno ao objeto mágico de Sun Wukong e Goku, reforçando a conexão simbólica entre os macacos e esses personagens de histórias famosas.

 

Naruto, por sua vez, é o protagonista da série de mangá homônima escrita e ilustrada por Kishimoto Masashi (岸本 斉史). Se observarmos a bandana que King Saru usa (Figura 3), a referência ao jovem ninja de Konoha, a Vila Oculta da Folha, se torna um tanto óbvia. É possível notar uma semelhança visual com a bandana usada por Naruto (Figura 4). Ao invés do símbolo de uma folha, encontramos na de King Saru o emblema de uma nuvem. Na capa da primeira edição de Naruto, nuvens surgem como um elemento decorativo. Já na representação de Ba elas aludem a um simbolismo que atravessa diferentes contextos culturais e literários. Na Jornada ao Oeste, Sun Wukong é muitas vezes retratado voando sobre as nuvens. Por isso, a nuvem na bandana não é apenas uma simples homenagem a uma obra contemporânea de mangá, mas também uma referência à clássica literatura chinesa.

 

Figura 4: Capa da edição #1 de Naruto, publicada originalmente pela Shueisha no Japão, em 1999. Fonte de imagem: KISHIMOTO, Masashi. Naruto #1. Tokyo: Shueisha, 1999. (Coleção Weekly Shōnen Jump)

 

Ba hibridiza esses diferentes personagens para para trazer à tona, mesmo que de forma não intencional, o impacto de produções japonesas no seu trabalho e na cultura de entretenimento em geral. A edição #2 é em grande parte em preto e branco, o que se justifica por ser uma homenagem aos mangás, uma das principais influências de Ba. A própria capa de Monkey Meat #2 também se conecta com a estética atribuída aos mangás, apresentando Harricot com as mãos emanando energia, algo bastante comum em produções shounen (aqueles entendidos genericamente como destinados “para meninos”).

 

Figura 5: capa da edição #2 de Monkey Meat. Fonte de imagem: BA, Juni. Monkey Meat: The First Batch. Portland, OR: Image Comics, 2022.

 

Nessa edição em particular de Monkey Meat, Ba cria uma ponte com o universo dos mangás, incorporando referências visuais e temáticas de produções bastante populares. O design tanto de King Saru quanto de Haricot, por exemplo, não é apenas uma homenagem aos personagens clássicos de mangás “de lutinha”, com suas poses dinâmicas e expressões exageradas. Ele evidencia como influências podem se cruzar, se mesclar e se reinventar para configurar novos templos simbólicos.

 

Essa conexão com a estética de mangás permite que Ba explore e expanda as possibilidades de sua arte, oferecendo um elemento visualmente atrativo para as suas histórias. Muito antes de Djeliya, a mistura de influências culturais é uma característica que se faz presente em seus trabalhos. É possível ver essa faceta em Kayin and Abeni - Afro Space Adventures, uma espécie de esboço para Djeliya, e em trabalhos feitos para a Kugali, uma antologia panafricana dedicada a contar histórias do continente, e Ndaw, quadrinho que lida com aspectos comuns aos contos populares africanos, mas em uma estrutura narrativa e visual que dialoga com influências variadas.

As referências a figuras icônicas do mangá aqui expressam a relevância de produções do cenário oriental na cultura de entretenimento global e seu impacto. Em síntese, a obra de Ba exemplifica a intersecção de repertórios culturais distintos em sua arte, amalgamando elementos da cultura popular oriental, particularmente a japonesa, com temas africanos. É, portanto, um testemunho da transcendência das fronteiras culturais, criando uma ponte entre o Japão e a África Ocidental e reconfigurando simbolismos através da mistura de influências culturais.

 

Referências biográficas

Márcio dos Santos Rodrigues é doutorando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História Social pela Universidade Federal do Pará (UFPA), na linha de pesquisa Arte, Cultura, Religião e Linguagens. Mestre em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na linha de pesquisa 'História e Culturas Políticas' (2011) e licenciado em História pela mesma instituição federal (2007). Atua também como editor e tradutor de histórias em quadrinhos. E-mail: marcio.strodrigues@gmail.com

 

Referências bibliográficas

BA, Juni. Djeliya: A West African Fantasy Epic. Los Angeles: TKO Studios, 2021.

 

BA, Juni. Djeliya: uma fantasia épica africana. Traduzido por Márcio dos Santos Rodrigues. Florianópolis: Skript, 2021.

 

BA, Juni. Monkey Meat: The First Batch. Portland, OR: Image Comics, 2022.

 

BRIENZA, Casey (Ed.). Global Manga: “Japanese” Comics without Japan? UK: Ashgate Publishing, Ltd., 2015.

 

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo: EdUSP, 1990.

 

KISHIMOTO, Masashi. Naruto #1. Tokyo: Shueisha, 1999. (Coleção Weekly Shōnen Jump)

 

MBEMBE, Achille. Afropolitanismo. Áskesis-Revista des discentes do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, v. 4, n. 2, p. 68-68, 2015. Disponível em: https://www.revistaaskesis.ufscar.br/index.php/askesis/article/view/74

 

Okorafor, Nnedi. “Africanfuturism Defined.” Nnedi’s Wahala Zone Blog, 2019. Disponível em: http://nnedi.blogspot.com/2019/10/africanfuturism-defined.html

 

saturday-am: https://www.saturday-am.com/

 

SCHODT, Frederik L. Manga! Manga!: The World of Japanese Comics. Tokyo: Kodansha International, 1983.

 

STEINBERG, Marc. Anime's Media Mix: Franchising Toys and Characters in Japan. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2012. 

Um comentário:

  1. Agradeço pela eventual leitura do meu texto. Assinado: Márcio dos Santos Rodrigues

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