CONSTITUIÇÃO IMPOSTA? REFLETINDO SOBRE O PROCESSO CONSTITUCIONAL NO JAPÃO PÓS-GUERRA, por Denilson Menezes Carvalho

 

 

No dia 10 de agosto de 1945, marcando o fim iminente da segunda guerra mundial no Pacífico, o Japão rendeu-se e, cinco dias depois, em 15 de agosto, o imperador Hirohito transmitiu ao povo japonês uma mensagem gravada, deixando claro para as potências aliadas que o Japão estava disposto a se render incondicionalmente. Pouco tempo depois, uma cerimônia formal de rendição ocorreu no convés de um navio americano. Esse marco histórico marcou não apenas o fim da guerra, mas também o início de uma série de reformas políticas e constitucionais no Japão [KADES, 1989].

 

A desmilitarização e a democratização foram os primeiros passos dados pelas Forças Aliadas. As forças armadas japonesas foram desmanteladas e os suspeitos de crimes de guerra processados. Os principais objetivos da ocupação aliada no Japão foram três: (1) democratização, (2) desmilitarização e (3) descentralização do poder político do Imperador [TOSHIO, 1976].

 

Logo após a instalação do Comando Supremo das Forças Aliadas (CSFA) em Tóquio, o General MacArthur encontrou-se com o Príncipe Konoe, revelando sua demanda por uma reforma constitucional, visando a introdução de um novo governo com elementos liberais. O General MacArthur foi o primeiro a sugerir a elaboração de uma nova constituição pautada em princípios democráticos, o que não deveria ter sido surpresa, já que o CSFA deveria implementar a Declaração de Potsdam [KADES, 1989].

 

Durante o aguardo do rascunho da nova constituição, as potências aliadas não governaram diretamente o povo japonês. Ao contrário, ordenaram ao governo japonês que efetuasse a racionalização democrática da sociedade [KOBAYASHI, 2006].

 

Em outubro de 1945, o Gabinete de Kijuro Shidehara instituiu o Comitê para Investigar Assuntos Constitucionais, presidido por Joji Matsumoto, para considerar a revisão constitucional. Embora relutante em reformular completamente a Constituição Meiji, o Comitê trabalhou em rascunhos de pequenas emendas ao texto [HIKOHIRO, 1997].

 

O "Esboço de Matsumoto", divulgado em fevereiro de 1946, revelou-se como ineficiente, uma vez que não alterava os princípios básicos da Constituição Meiji. Após rejeitar esse rascunho, MacArthur ordenou que sua equipe redigisse uma revisão alternativa. O "Esboço MacArthur" propunha a abolição dos poderes do imperador, a desmilitarização do Japão e o fim do sistema Feudal. O governo japonês, pego de surpresa, aceitou o esboço, mas tentou negociar alguns pontos [KOBAYASHI, 2006].

 

Devido à resistência do governo japonês, as diretrizes essenciais foram repassadas a Charles L. Kades, responsável pela liderança da sessão de governo e com maior aproximação com os líderes políticos. Após meticulosas negociações e modificações no "Esboço MacArthur", o governo japonês emitiu diretrizes que levaram ao projeto final de revisão constitucional em abril de 1946. [KADES, 1989].

 

A proposta de revisão constitucional foi apresentada à 90ª sessão da Dieta Imperial sob a Constituição Meiji e deliberada por três meses. Ao final, a constituição do pós-guerra foi promulgada pela Dieta Imperial na forma de uma emenda à Constituição do Império do Japão. Assim, a Constituição do Japão foi promulgada em 3 de novembro de 1946 e entrou em vigor em 3 de maio de 1947 [KOBAYASHI, 2006].

 

Embora a Constituição de 1947 tenha sido uma revisão da Constituição de 1890, suas disposições são notavelmente diferentes, a soberania popular substituiu a soberania imperial, os direitos condicionais dos súditos foram substituídos pelos “direitos eternos e invioláveis” do povo e foi declarado a renúncia à guerra no Art. 9º com o desmantelamento das forças armadas [TOSHIO, 1976].

 

Além disso, as questões políticas mais controversas sob a constituição de 1890 foram sanadas, o governo responsável perante o Parlamento seria o gabinete do Primeiro-Ministro, substituindo o Imperador, e foi dada a Suprema Corte o poder expresso no Art. 81º de controle de constitucionalidade, garantindo assim um sistema de freios e contrapesos. A nova constituição, portanto, é uma constituição completamente diferente da Constituição Meiji, o que tornou o Japão o primeiro país da Ásia a ter uma constituição democrática [MATSUI, 2010].

 

A constituição de 1947 cumpriu com o seu objetivo de trazer instabilidade política para os japoneses. Contudo, com o passar dos anos, iniciou-se um movimento pró-revisão da constituição na arena política japonesa durante o governo de Yasuhiro Nakasone (1982-87) [HIKOHIRO, 1997].

 

A questão subjacente, tem sido as atitudes em relação ao próprio constitucionalismo. Os revisionistas tradicionalmente negam a legitimidade da Constituição, insistindo que ela foi “imposta” pela ocupação aliada, e pediram que o imperador fosse designado como “soberano”, bem como a exclusão do Art. 9º, que prevê a renúncia à guerra e à manutenção das forças armadas [CHESTERMAN, 2004].

 

A proposta de elaboração de uma nova Constituição carrega consigo um sentimento bastante patriótico ou mesmo nacionalista devido a necessidade da nova carta constitucional de expressar a opinião popular. Contudo, nesse caso, a falta de autoria constitucional genuína, devido aos conflitos internos e externos no pós-guerra é, portanto, bastante óbvia. Assim, o fato de o General MacArthur ter dado ao governo japonês um projeto de constituição, acaba pondo em questão a autoria constitucional do Japão [MATSUI, 2010].

 

A questão de saber se ou até que ponto a Constituição deve ser caracterizada como uma imposição alienígena vai muito além de um mero interesse acadêmico ou teórico, à vista de que aborda as ambições políticas de longa data dos conservadores de emendar o Art. 9º e restaurar os poderes do Imperador, ao passo que, a oposição busca manter o status quo [MATSUI, 2010, p. 262–265].

 

Neste contexto, caracterizar o Constituição como “imposta” é minar a legitimidade do documento em sua forma atual e, assim, abrir caminho para emendas, por outro lado, defender o texto da constituição como uma expressão de valores e aspirações do povo acaba por enfraquecer o grupo político pró- emenda [SHOICHI, 1995, p. 251].

 

Segundo Hasebe [2015, p. p. 225–226] é impreciso aduzir que a Constituição de 1947 foi “imposta” ao “Japão” por dois motivos. O primeiro é limitar os parâmetros de preferências do governo japonês às do povo japonês, tendo-se em vista que o Japão em 1945 não era uma entidade monolítica. Assim, se a questão é se a Constituição foi imposta às elites políticas conservadoras que controlavam o governo na época de sua adoção, a resposta é sim. Contudo, se se a questão é se a constituição foi imposta ao povo japonês, a resposta provavelmente é um não, uma vez que já figurava no povo um anseio por uma reforma político constitucional, o que representa o segundo motivo que é minimizar o impacto da opinião da população no processo de elaboração da constituição [HASEBE, 2003].

 

Os dados da opinião pública, as crenças de vários participantes no processo de elaboração da constituição e uma série de evidências sugerem que havia um entusiasmo popular considerável por uma reforma constitucional abrangente nas linhas perseguidas pela CSFA. De modo que, tudo indica que os americanos buscaram elaborar uma constituição que gozasse de apoio popular e que representasse os anseios do povo [OPPLER, 2015].

 

Conforme Oppler, [2015, p. 45-46] o sentimento da população de fato favorecia o modelo constitucional proposto pela CSFA, e que MacArthur tinha “algumas razões para acreditar que a maioria estava de acordo com os princípios da nova Constituição”. Inclusive, pesquisas realizadas antes e depois da adoção da Constituição de 1947 tendem a confirmar que existia apoio generalizado não apenas para a reforma constitucional, mas também para as reformas específicas defendidas pela CSFA [SCHEPPELE, 2003].

 

Uma pesquisa encomendada pelo governo japonês e conduzida no final de 1945 pelo Kyodo News Service sugeriu que o povo japonês, estava ansioso para revisar os arranjos constitucionais que tanto os desapontaram. Sendo que, três quartos dos entrevistados consideraram a reforma constitucional “necessária”, contendo uma combinação de limites aos poderes do Imperador e expansão dos poderes da Dieta, seguido por uma maior proteção dos direitos individuais e liberdades. A próxima reforma mais popular foi a abolição ou reforma da Câmara dos Pares da Dieta, ao qual seus membros, em grande parte, eram políticos hereditários e nobres nomeados pelo Imperador. [BEER; MAKI, 2002, p. 81-82).

 

Cumprindo citar que, a Constituição Meiji previa uma série de limitações aos direitos do povo, pois seus autores acreditavam que uma constituição necessitava de uma declaração de direitos, mas que eles não deveriam ser tão poderosos a ponto de triunfar sobre a política imperialista nacional. Como resultado, as declarações de direitos vinham geralmente com uma reserva legal, (horitsu no ryuho) [HALEY, 2016, p. 100].

 

Com base nesses fatos, os membros da CSFA acreditavam fortemente que estavam ajudando a criar uma sociedade menos oprimida que era tão desejada pela maioria dos japoneses, mas que não podiam obter de seus próprios líderes [KADES, 1989, p. 231].

 

Inclusive, a CSFA estava tão confiante na aceitação do seu projeto pela população que, em resposta aos argumentos japoneses de que "Esboço MacArthur" era um transplante desajeitado inadequado para as condições locais, que o próprio general MacArthur ameaçou explicitamente “levar a constituição diretamente ao povo e torná-la a principal questão na próxima campanha eleitoral para que o povo tivesse a oportunidade de promulgar a constituição que representasse os seus interesses” [HASEBE, 2003, p. 225 –226].

Embora nenhum referendo formal sobre a constituição tenha sido finalmente realizado, talvez porque a própria Constituição Meiji exigia que emendas constitucionais fossem propostas pelo imperador e aprovadas pela Dieta, sem participação popular direta, a ameaça implícita de MacArthur levou a Dieta a considerar e iniciar as deliberações sobre a nova constituição [MATSUI, 2010, p. 21].

 

Nestes termos, pelo fato de que o projeto constitucional produzido pela CSFA ter adotado, de uma forma ou de outra, todas as reformas pretendidas pela população japonesa, acabou gerando uma legitimação da constituição, pois mesmo que “imposta” passou a gozar de ampla aceitação por parte do povo nos anos que se seguiram [SHOICHI, 1995, p. 61].

 

Deste modo, o que emergiu em 1946 foi uma dinâmica de dois contra um a favor da nova constituição. Ou seja, as elites dominantes conservadoras estavam presas entre uma população que apoiava a reforma política e a democratização de um lado e uma força externa capaz de propor uma constituição que exploraria esses sentimentos populares latentes, mas frustrados [SHOICHI, 1995].

 

Apesar das críticas sobre a autoria institucional devido à influência estrangeira, um fato imutável é que houve participação popular durante o processo constitucional, uma vez que no final, foi a Dieta Imperial que promulgou a Constituição japonesa do pós-guerra [CHESTERMAN, 2004].

 

A partir dessa conjuntura, ao analisar o processo da elaboração das constituições no leste asiático, Graham Hassall e Cheryl Saunders afirmam que a experiência japonesa é associada a uma independência negociada com os Estados Unidos e as Forças Aliadas que exerceram uma forte pressão para que a nova constituição fosse elaborada seguindo os seus parâmetros. Ainda, segundo os autores, o processo constituinte japonês possui uma experiência semelhante às constituições elaboradas por países saindo de um processo de colonização, o que não caracteriza necessariamente uma imposição constitucional, mas sim uma limitação negociada dos poderes do constituinte originário. [HASSALL; SAUNDERS, 2005].

 

Em outras palavras, devido aos fatores externos, apesar do Japão não ter sido uma colônia, ele acabou sendo forçado a passar por uma experiência de elaboração constitucional típico de países em processo de descolonização, tendo que passar por negociações com forças políticas estrangeiras para que conseguisse retomar a sua independência [HASSALL; SAUNDERS, 2005].

 

Independente dessas questões, fato é que a nova constituição foi amplamente aceita pela sociedade japonesa e se tornou uma referência para a promoção dos direitos humanos e da democracia na Ásia e no Pacífico. Apesar de ter sido imposta pelas potências vitoriosas, a Constituição de 1947 consolidou o Estado de Direito no país e marcou uma evolução significativa na democracia japonesa [MATSUI, 2010].

 

Em última análise, pode-se argumentar que o processo de redação do texto base da constituição foi imposto pela CSFA, trazendo princípios importantes para a nova democracia japonesa. Contudo, o processo de discussão do projeto na Dieta fornecendo uma estrutura de valores domésticos para tornar a mudança de transição sustentável por meio de valores éticos e tradicionais da política governamental do Japão, somado ainda ao fato de aceitação popular da nova constituição por parte da população japonesa garantiu uma transição sustentável entre os regimes e legitimou a nova constituição.

 

Assim, o processo de elaboração da constituição japonesa de 1947 foi forjado pelo resultado da guerra, o que resultou em um modelo constitucional destoante da constituição anterior, servindo a atual constituição como promoção da democracia e dos direitos fundamentais e independência do povo em face das arbitrariedades do Imperador, possuindo uma identidade constitucional própria [HASSALL; SAUNDERS, 2005].

 

Em suma, a promulgação da Constituição Heiwa foi um marco na história do Japão pós-Segunda Guerra Mundial. Embora tenha sido imposta, acabou sendo abraçada pela população e agentes públicos, tornando-se a base da nova nação e garantindo a legitimidade do texto constitucional. Essa transformação institucional, mesmo com influência externa, trouxe mudanças importantes para a democracia e o Estado de Direito no Japão. [HAMANO, 1998].

 

Em conclusão, a imposição constitucional no Japão pós Segunda Guerra Mundial é um caso exemplar de transformação institucional imposta por atores externos, pois apesar disso, trouxe consigo mudanças significativas na democracia e no Estado de Direito no Japão.

 

Referências

Denilson Menezes Carvalho é Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, atualmente atua como Pesquisador junto ao Centro de Estudos Políticos e Constitucionais - (UCB) e Curadoria de assuntos relacionados ao Japão na IEÁsia (UFPE).

 

BEER, Lawrence Ward; MAKI, John M. McGilvrey. From imperial myth to democracy: Japan's two constitutions, 1889-2002, 2002.

 

CHESTERMAN, Simon. Imposed constitutions, imposed constitutionalism, and ownership. Conn. L. Rev., v. 37, p. 947, 2004.

 

HALEY, John O. Political Culture and Constitutionalism in Japan. In: Political Culture and Constitutionalism. Routledge, 2016,

 

HAMANO, Sylvia Brown. Incomplete Revolutions and Not So Alien Transplants: The Japanese Constitution and Human Rights. U. Pa. J. Const. L., v. 1, p. 415, 1998.

 

HASEBE, Yasuo. Constitutional borrowing and political theory. Int'l J. Const. L., v. 1, p. 224-243, 2003.

 

HASSALL, Graham; SAUNDERS, Cheryl. Asia-Pacific constitutional systems. Cambridge University Press, 2005.

 

HIKOHIRO, Takahashi. Niohnkoku Kenpo Taisei No Keisei, Aoki Shoten, 1997.

 

KADES, Charles L.The American Role in Revising Japan 's Imperial Constitution. Political Science Quarterly, Vol. 104, No. 2 [Summer, 1989], p. 241. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2151582. Acesso em: 06 de out. de 2022.

 

KOBAYASHI, Takeshi. Youkoso Nihon Koku Kenpou, Japão: Editora Hougakushoin, 7ª Edição, 2006.

 

MATSUI, Shigenori. The Constitution of Japan: a contextual analysis. Bloomsbury Publishing, 2010.

 

OPPLER, Alfred Christian. Legal reform in occupied Japan: a participant looks back. Princeton University Press, 2015.

 

SCHEPPELE, Kim Lane. Aspirational and aversive constitutionalism: the case for studying cross-constitutional influence through negative models. International Journal of Constitutional Law, v. 1, n. 2, p. 296-324, 2003.

 

SHOICHI, Koseki. Shin Kenpo No Tanjyo, Chuko Bunko, 1995

 

TOSHIO, Irie. Kenpo Seiritsu No Keii To Kenpojyo No Shomondai, Daiichi Hoki Shuppan, 1976.

11 comentários:

  1. Quais seriam os fatores que levam a afirmar que a constituição japonesa atual tenha sido, de fato, aceita pelo povo, uma vez que foi obra da aliança entre as forças de ocupação e os agentes governamentais pertencentes à elite política japonesa?
    Lilian Yamamoto

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    1. Denilson M. Carvalho7 de agosto de 2023 às 13:27

      Prezada Lilian Yamamoto,
      Muito obrigado pelo seu questionamento. A aceitação da Constituição japonesa de 1947 pelo povo é um tópico complexo e sujeito a interpretações diversas. Apesar de me filiar à interpretação de que a Constituição japonesa de 1947 é fruto de um Poder Constituinte Híbrido, formado pela SCAP e pelos políticos dominantes, entendo que além disso, alguns fatores contribuem para a afirmação de que a constituição foi aceita pelo povo, conferindo total legitimidade ao texto. Alguns desses motivos são:
      1. Estabilidade e governança: Após a devastação da Segunda Guerra Mundial, muitos japoneses estavam interessados na estabilidade política e econômica trazida pela nova constituição, que busca promover a democracia, os direitos humanos e a paz.
      2. Reconstrução nacional: O Japão estava em uma fase de reconstrução e reestruturação após a guerra. A nova Constituição simbolizava uma ruptura com o militarismo e a mitigação dos direitos básicos do passado, sendo uma oportunidade para uma nova direção política com direitos e garantias fundamentais absolutos (HALEY, 2016, p. 100).
      3. Benefícios percebidos: Muitos aspectos da nova Constituição foram vistos como benéficos para a sociedade japonesa, que há muito tempo tinha seus direitos tolhidos pela Constituição Meiji e as horitsu no ryuho, que foram abolidos no novo texto, que passou a incluir a proteção integral dos direitos humanos, a promoção da paz e a estabilidade política. Assim, a nova constituição trazia uma percepção benéfica ao povo japonês, o que pode ter influenciado a aceitação, apesar das circunstâncias de sua imposição (HALEY, 2016, p. 100).
      4. Ausência de resistência ativa: Apesar das controvérsias em torno da imposição da Constituição, não houve uma resistência ativa generalizada por parte do povo japonês. Isso pode ser interpretado como um indicativo de aceitação da mudança proposta, talvez em parte devido à exaustão causada pela guerra e à necessidade de estabilidade (HASEBE, 2003, p. 225–226).
      5. Participação indireta: Enquanto os cidadãos japoneses não tiveram uma participação direta na redação da Constituição, eles tiveram a oportunidade de participar indiretamente por meio das eleições parlamentares subsequentes. A nova estrutura política permitiu que os japoneses (agora tanto homens quanto mulheres, que não detinham poder de voto pela Constituição Meiji) votassem e escolhessem seus representantes, o que poderia ser visto como uma forma de aceitação da direção política proposta (SHOICHI, 1995, p. 215); e
      6. Evolução ao longo do tempo: A Constituição japonesa de 1947 tem sido objeto de interpretação e evolução ao longo das décadas. Por meio de decisões judiciais e discussões públicas, tem havido uma adaptação gradual da Constituição à sociedade japonesa em mudança. Essa evolução pode sugerir que a Constituição, apesar de sua origem controversa, encontrou algum grau de aceitação ao longo do tempo (BEER; MAKI, 2002, P. 83).
      Em resumo, o debate sobre a aceitação da Constituição japonesa de 1947 é multifacetado. Embora a imposição da Constituição possa ter gerado ressalvas quanto à sua legitimidade, vários fatores, como a busca por estabilidade, paz e representação política, podem ter contribuído para a percepção de aceitação por parte do povo japonês, o que em tese representaria uma legitimidade a posteriori do seu texto.
      Diante dessa breve explicação e dos argumentos trazidos no texto, fica claro que a complexidade do tema reflete as nuances históricas e políticas em torno do processo de elaboração da Constituição japonesa de 1947, ao qual gostaria de trazer a debate com o meu texto.
      Atenciosamente, Denilson M. Carvalho.

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  2. Parabéns pela escrita! Artigo interessante!

    M.M.C

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    1. Muito obrigado pelo elogio. Atenciosamente, Denilson M. Carvalho.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Como dito pelo autor, os países vitoriosos da Segunda Guerra Mundial processaram e executaram diversos criminosos de guerra, porém, apesar de todas ações terem sido feitas em nome do Imperador, a Casa Imperial foi mantida e a vida do Imperador Hirohito foi poupada, transformando-o em uma figura representativa do povo japonês. O autor considera essa ação dos Aliados como um dos fatores que levaram a aceitação da nova Constituição pelo povo japonês?

    Cássio Gabriel de Campos Silva

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    1. Prezado Cássio Gabriel de Campos Silva,
      Muito obrigado pelo seu questionamento.

      Do meu ponto de vista, a preservação da figura do Imperador Hirorito e da casa imperial japonesa vai além do objetivo de possuir uma figura de liderança. Durante as negociações da CSFA com as elites governantes japonesas uma das estratégias utilizadas foi de buscar negociar a preservação do Imperador, mesmo que apenas como uma figura representativa, pela aceitação da formulação de um novo regime constitucional, como havia sido proposto por MacArthur (BEER; MAKI, 2002, p. 84).
      As elites governantes japonesas tinham um grande apego ao sistema imperial e com isso buscavam poupar o Imperador pelos julgamentos pelos crimes de guerra, uma vez que reflita uma combinação de ideologia e interesse próprio: durante séculos, a noção do imperador como a personificação de todo o poder soberano foi um poderoso mecanismo pela qual as elites políticas se valiam para justificar e legitimar seu próprio governo (ITOH, 2016, p. 9). Dessa forma, os políticos conservadores que ocupavam o gabinete apoiaram relutantemente a proposição de uma nova constituição na medida em que garantia a sobrevivência do imperador Hirohito diante das exigências dos Aliados de que ele fosse julgado como criminoso de guerra (DOWER, 2000, p. 65-84).
      Nesse contexto, é possível argumentar que a decisão dos países vitoriosos da Segunda Guerra Mundial de manter a Casa Imperial e poupar a vida do Imperador Hirohito pode ter desempenhado um papel na aceitação da nova Constituição pelo governo japonês. A preservação da figura do Imperador como um símbolo unificador e a decisão de não o responsabilizar diretamente pelos crimes de guerra podem ter contribuído para estabelecer uma sensação de continuidade e estabilidade no país durante um período de transformação pós-guerra. Essa abordagem pode ter ajudado a mitigar possíveis resistências ou sentimento de revolta, permitindo que a nação se concentrasse na reconstrução, na busca pela estabilidade política e no estabelecimento de uma nova ordem democrática conforme delineada pela Constituição de 1947. (MOORE; ROBINSON, 2002, p. 109).
      No entanto, é importante notar que a aceitação da nova Constituição pelo povo japonês foi influenciada por uma série de fatores complexos, incluindo a devastação causada pela guerra, a presença e influência das potências vitoriosas, a transformação da sociedade japonesa e o desejo por uma mudança em direção à paz, à democracia e aos direitos humanos. A ação dos Aliados em relação ao Imperador Hirohito e à Casa Imperial pode ser considerada como um dos muitos elementos que moldaram o cenário político e social do Japão na época, mas não deve ser vista como o único fator determinante na aceitação da nova Constituição.
      Atenciosamente, Denilson M. Carvalho.

      Referências:
      ITOH, Hiroshi. The Supreme Court and benign elite democracy in Japan. Routledge, 2016.
      DOWER, John W. Embracing defeat: Japan in the wake of World War II. WW Norton & Company, 2000.
      MOORE, Ray A.; ROBINSON, Donald L. Partners for democracy: Crafting the new Japanese state under MacArthur. Oxford University Press, 2002.

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  5. Considerando a elaboração da Constituição japonesa de 1947 como uma exigência externa, da parte dos vitoriosos. É possível pensar a 'negociação da reelaboração da Constituição Meiji e a proposta de MacArthur' como espaço de tensão? Se sim, podemos interpretar a questão de da constituição de 1947 aderir as exigências de MacArthur, porém, por meio da 'assimilação' e 'apropriação de conceitos e de ideias, sem que comprometa com a integridade do regime interno japonês (fenômeno semelhante como ocorreu na escrita da Constituição Meiji)?

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  6. Boa tarde,
    Considerando a elaboração da Constituição japonesa de 1947 como uma exigência externa, da parte dos vitoriosos. É possível pensar a 'negociação da reelaboração da Constituição Meiji e a proposta de MacArthur' como espaço de tensão? Se sim, podemos interpretar a questão de da constituição de 1947 aderir as exigências de MacArthur, porém, por meio da 'assimilação' e 'apropriação de conceitos e de ideias, sem que comprometa com a integridade do regime interno japonês (fenômeno semelhante como ocorreu na escrita da Constituição Meiji)?

    Levi Yoriyaz

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    1. Prezado Levi Yoriyaz,
      Muito obrigado pelo seu questionamento. Devido ao tamanho da resposta, irei separar em dois comentários. Primeiramente, gostaria de distinguir algumas questões, pois entendo que as elaborações das Constituições Meiji de 1890 e Heiwa de 1947 possuem fatores distintos.
      O processo de elaboração da Constituição Meiji teve início com a modernização do Japão em 1867, quando o imperador declarou que o governo imperial deveria ser restaurado e um novo governo fosse eleito (ODA, 2001). Desta forma, em 1882, Hirobumi Itoh, que mais tarde se tornaria o primeiro Primeiro-Ministro do Japão, foi enviado à Europa para estudar as constituições dos países europeus. A Alemanha foi escolhida como o principal local de pesquisa (HALEY, 2016, p. 98). A Alemanha foi intencionalmente escolhida como modelo, pois acabara de ser unificada e sua situação era considerada semelhante à do Japão. Na Alemanha, o Kaiser aparentemente tinha forte poder e autoridade, enquanto as constituições britânica e francesa eram consideradas muito liberais e democráticas (ODA, 2001, p. 18).
      Itoh preparou um projeto de constituição com a ajuda de um conselheiro alemão, Hermann Roesler, após seu retorno da Europa. Roesler defendia um sistema constitucional baseado na Constituição prussiana de 1850, mas sem sequer as limitadas instituições democráticas que haviam sido importadas da Inglaterra para a Prússia via França e Bélgica (ODA, 2001, p. 20).
      Durante a elaboração do texto inicial, os japoneses buscavam assegurar que o poder do imperador fosse deixado o mais livre possível de qualquer controle exercido pela Dieta. Assim, a Constituição Meiji começou proclamando a santidade e inviolabilidade do imperador e a perpetuidade de seu governo. O imperador era o soberano que governava o país de acordo com as disposições da Constituição. No entanto, uma ampla gama de questões foi deixada para a prerrogativa do imperador (ODA, 2001, p. 20).
      A Dieta estava ali apenas para auxiliar e apoiar o imperador. As leis eram promulgadas pela Dieta, mas precisavam da aprovação imperial. Os ministros do gabinete eram nomeados pelo imperador, enquanto a Dieta não tinha voz na escolha. Os ministros eram responsáveis perante o imperador, não perante a Dieta. Mais tarde, tornou-se prática constitucional que o poder do imperador como comandante supremo das forças armadas permanecesse fora do controle da Dieta e do gabinete (WORDEN; DOLAN, 1992, p. 35).
      Nesses termos, a Constituição Meiji se aproximava mais de uma constituição apenas no sentido formal, pois, apesar de ser uma carta de direitos, os direitos declarados nela não eram vistos como inerentes aos seres humanos. Pelo contrário, eram considerados como presentes do Imperador aos seus súditos.
      Isso porque os autores da Constituição Meiji acreditavam que uma constituição necessitava de uma declaração de direitos, mas que eles não deveriam ser tão poderosos a ponto de triunfar sobre a política imperialista nacional. Como resultado, a declaração de direitos vinha geralmente com uma reserva legal, (horitsu no ryuho). Por exemplo, a liberdade de expressão, um dos direitos mais importantes numa democracia liberal, foi garantida "dentro dos limites da lei" (HALEY, 2016, p. 100). Apesar da disposição "dentro dos limites da lei", o Imperador não podia infringir os direitos dos seus súditos sem um fundamento estatutário explícito, assim, a Constituição Meiji fornecia alguma salvaguarda contra a violação de direitos. No entanto, uma vez estabelecida a lei, seguindo as medidas adequadas, os direitos dos cidadãos podiam ser legitimamente restringidos em nome da autoridade do Imperador (WORDEN; DOLAN, 1992, p. 40).

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    2. A partir desses fatos, do meu ponto de vista, não há como comparar o processo de elaboração da Constituição Meiji de 1890 com a constituição Heiwa de 1947, uma vez que, na primeira, o poder constituinte originário é considerado ilimitado, mesmo que restrito à vontade do Imperador, ao passo que a constituição de 1947 passou por um processo limitado de elaboração, devido à presença da CSFA que trouxe um caráter híbrido (heterônomo) ao poder constituinte japonês. Já ao passo da "assimilação", ambos os processos são distintos, pelo meu ponto de vista, uma vez que durante a elaboração da constituição Meiji os japoneses buscaram os conceitos ocidentais e após os adequaram a sua realidade, já na elaboração da constituição Heiwa a CSFA transplantou institutos e mecanismos ocidentais, alguns estranhos a realidade japonesa, ao sistema normativo.
      Delimitando essas questões, sim, considerando a elaboração da Constituição japonesa de 1947 como uma exigência externa dos países vitoriosos da Segunda Guerra Mundial, ao passo que considero o poder constituinte de 1947 como híbrido (heterônomo), pois não contou unicamente com a presença da vontade do povo japonês representada pelos seus representantes políticos – (ao qual, também considero que não representavam fielmente a vontade do povo, vide parágrafos 16-21 do texto) –, é possível ver a 'negociação da reelaboração da Constituição Meiji e a proposta de MacArthur' como um espaço de tensão. Isso porque a imposição de mudanças constitucionais por parte dos Aliados, liderada pelo General MacArthur, criou uma dinâmica complexa entre a necessidade de aderir às exigências externas e a preservação da integridade do regime interno japonês.
      Nesse contexto, a negociação e a reelaboração da Constituição Meiji se tornaram uma arena onde interesses internos e externos se confrontaram. A proposta de MacArthur e a pressão exercida pelos vitoriosos sobre o Japão trouxeram à tona tensões entre a aceitação das mudanças demandadas e a preservação de aspectos culturais e políticos que eram valorizados no contexto japonês.
      A interpretação da questão da Constituição de 1947 aderindo às exigências de MacArthur pode ser vista como um processo complexo de 'assimilação' e 'apropriação' de conceitos e ideias. O Japão buscou atender às demandas externas de forma a não comprometer integralmente o seu sistema político interno e valores culturais. No entanto, do meu ponto de vista, isso não pode ser comparado ao fenômeno observado na escrita da Constituição Meiji, em que o Japão modernizou seu sistema legal e político, incorporando elementos ocidentais, enquanto também mantendo aspectos tradicionais, pois, como suscitado, durante esse processo, o poder constituinte era ilimitado.
      Inclusive, pessoalmente, entendo que não se trata de apropriação de conceitos e ideias, mas sim de um transplante de institutos jurídicos pela CSFA ao ordenamento jurídico japonês, vez que até aquele momento, no sistema normativo nipônico, não havia menções ou qualquer experiência com os institutos trazidos e impostos pela CSFA, como por exemplo, o Judicial Review (controle de constitucionalidade). O que levou a Suprema Corte Japonesa a levar décadas para se acostumar com seu novo poder (CARVALHO, 2023).
      Portanto, a elaboração da Constituição de 1947 foi um espaço de tensão em que o Japão foi obrigado a negociar as demandas dos Aliados e a preservação de sua identidade e sistema político.
      Atenciosamente, Denilson M. Carvalho.
      Referências:
      ODA, Hiroshi. Japanese Law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 17. WORDEN, Robert L, DOLAN, Ronald E. (eds). Japan: A Country Study. Japão, Federal Research Division, Library of Congress, 1992 CARVALHO, Denilson M. A Suprema Corte Japonesa: Entre a Jurisdição Constitucional e o Passivismo Judicial. 2023. 224 f. Mestrado (Direito) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2023

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