A TRAGÉDIA DE YU XUANJI: PERSEGUIDA POR SER UMA MULHER LIVRE, por Marcela Langer e Otávio Luiz Vieira Pinto

 

Introdução

Perseguida pela sua reputação mesmo após a morte, a poetisa chinesa da Dinastia Tang [618-907 E.C.] Yu Xuanji [843-868] teve uma vida curta, de aproximadamente 25 anos, marcada por sucessivas difamações de uma sociedade que não a aceitava. Tida como prostituta e cortesã, Yu foi plebeia, esposa e sacerdotisa daoísta, mas desempenhou uma constante função ao longo da vida, a de poeta. Por ter sido alvo de críticas duras por estudiosos homens da época, sua escrita brilhante foi posta em segundo plano, deixando-a ser ofuscada pelos escândalos da sua vida pessoal.

 

Desse modo, o objetivo do artigo é elucidar como Yu Xuanji foi vítima de uma ótica negativa, perpetuada em grande parte pelo olhar masculino, impedindo que sua obra tenha sido reconhecida enquanto um importante ponto de inflexão na poesia chinesa. Além disso, também se pretende, a partir do trabalho de autoras que vem realizando o processo de ressignificar o legado de Yu, pautar a vida da poeta a partir dos seus próprios poemas, e questionar como sua obra era lida pelas mulheres de sua época, perguntando se a poeta seria uma figura de admiração ou um mal exemplo. Tido como a tragédia de Yu, o ponto central do trabalho é elucidar como a poeta foi perseguida em vida e após a morte, ao passo que tentava encontrar equilíbrio, amor verdadeiro e liberdade a partir da sua escrita.

 

Minha reputação me precede? Yu Xuanji a partir do olhar masculino do Tang

Condenada à morte após ter sido considerada culpada por ter assassinado a própria serviçal, Yu Xuanji assumiu diversos papéis ao longo da vida, seja a de filha de uma família plebeia, a segunda esposa de um Oficial do Estado e sacerdotisa daoísta, mas o principal papel que desempenhou foi o de poeta. Há registro de cerca de cinquenta poemas de Yu, o que a torna uma das primeiras mulheres a serem escritoras na China que detém uma obra tão extensa (Jia, 2016: 25). Desse modo, se demonstra como ao longo de todas as fases de vida, Yu permaneceu escrevendo, justificando afirmar que a poesia foi sua maior companhia. Em seu trabalho, pode ser destacado poemas em cinco categorias: amor, questões sociais da sua época, daoísmo, viagens e autocontemplação [Liu, 2011, 29].

 

Enquanto esteve viva e mesmo após a morte, Yu Xuanji foi alvo de críticas negativas, com estudiosos inserindo novas narrativas em torno da sua vida, a chamando de cortesã e reprovando seus poemas de amor, os taxando de licenciosos. Dessa forma, a poesia de Yu acabou sendo depreciada por uma visão moral equivocada, que não correspondia com a vida da poeta. A realidade é que Yu foi uma ilustre sacerdotisa daoísta que optou por uma vida diferente, muito distinta da maioria das mulheres que viveram na mesma época [Jia, 2016: 27]. Dessa forma, optar por reconhecer a sua obra como sua biografia mais sincera é a opção mais sensata, já que parte de um princípio de acreditar no caráter e nas escolhas de vida da poeta a partir das suas próprias palavras, entrando de acordo com a observação de Suzanne Cahill, que se queremos saber alguma coisa sobre Yu, sejam os seus pensamentos ou suas conquistas, é preciso estudar o que ela de fato escreveu, no contexto em que ela estava inserida [Liu, 2011: 53].

 

Em concordância com a autora Yang Liu, expõe-se a importância de entender as mulheres daoístas enquanto figuras históricas, ao invés de entidades míticas, partindo do princípio de que todas possuíam um talento extraordinário para a poesia, o que levou alguns estudiosos homens a ignorarem suas diferentes realidades, as assumindo como prostitutas. No caso de Yu Xuanji, Liu insere que a principal fonte acerca da vida da poeta veio do Sānshuǐ Xiǎodú (三水小牘), Breves e pequenas anotações de Sanshui, escrito por Huang-fu Mei, contemporâneo de Yu. Dos três volumes que Huang-fu escreveu, um acabou se perdendo, com outro escritor, Miu Quanshun, que tentou reorganizar os capítulos perdidos, encontrados desta vez na obra Xù tán zhù (續談助), do Taiping Guangji. Enquanto Miu descreveu Yu como uma “garota de uma casa de prazer”, Guangji a definiu como “garota de uma casa que fica numa esquina”, servindo de exemplo para elucidar como a origem da poeta provoca dúvidas até os dias de hoje. [Liu, 2011: 20].

 

Ainda de acordo com Liu, mesmo Sānshuǐ Xiǎodú sendo uma obra da sua época, que agrupa um conjunto de fofocas e lendas que circulavam na sociedade do período, e sua autenticidade seja bastante questionável, é o primeiro livro que descreve em detalhes sobre Yu Xuanji, incluindo informações sobre sua origem, seus pais, sua identidade daoísta, versos de seus poemas e informações de sua morte. Dessa forma, tendo em vista o grande número de leitores que Huang-fu conquistou não apenas no seu tempo, mas também na posterioridade, ele foi um dos grandes responsáveis por divulgar e perpetuar a má fama de Yu.

 

Além dele, Sun Guangxiang, outro famoso articulador do Período das Cinco Dinastias [907-960], expressou sua opinião desfavorável em relação à Yu Xuanji no livro Běimèng suǒyán (北夢瑣言), Histórias triviais de Sonhos no Norte, que conta com notas biográficas não autorizadas. Segundo Liu, Sun descreveu de forma breve acerca da vida de Yu, descrevendo a poeta como alguém que, pela sua natureza, se entregava ao prazer e vivia como uma prostituta. Por outro lado, num parecer mais favorável, outro estudioso, Xin Wenfang, descreveu Yu de forma elogiosa, afirmando que, por meio de seus versos, se podia perceber sua postura ambiciosa, e que se ela fosse um homem, com certeza seu talento seria muito apreciado [Liu, 2011: 27].

 

A mulher no Período Tang: obediência e nunca suficiente sozinha

Para entender um pouco melhor o contexto em que Yu Xuanji viveu, e para compreender o motivo dos seus poemas serem tão significativos e singulares para a sociedade da época, partimos de uma contextualização sobre como era a vivência de uma mulher ao longo da Dinastia Tang. Num primeiro momento, por meio da obra O Livro de Artigos e Explicação de Palavras, expõe-se que a palavra ‘mulher’ no vocabulário chinês deriva da palavra ‘submissão’, apresentando portanto a perspectiva de subordinação que foi perpetuada e internalizada entre as mulheres da China.  Além disso, a sua conduta moral era regida a partir das chamadas Três Obediências: “O pai é o deus aos olhos do filho, assim é o marido aos olhos da esposa”; “Uma mulher trata seu pai como um deus quando solteira e trata seu marido como um deus quando casada” e “Seja obediente a seu pai antes do casamento, seu marido depois do casamento e seu filho quando o marido morrer” [LEE, 2006: 346].

 

Desse modo, evidencia-se como na sociedade chinesa a mulher era normalmente associada à figura masculina desde o momento que nasce até se tornar adulta, seja por meio do pai, do futuro marido e do filho que ela viria ter. Assim, elucida-se a forma como Yu Xuanji era tida dentro da sociedade chinesa, enquanto uma mulher que saiu de casa cedo, viveu de forma independente, boa parte dela sozinha, que não teve um marido da forma convencional e que também não se tornou mãe. E se mesmo que as mulheres ao longo da Dinastia Tang conseguiram maior liberdade social em suas atividades quando em comparação a outros períodos da história chinesa, o dever de obediência e castidade que elas deveriam assumir permaneceu, reforçados por meio de guias e manuais de conduta, como é o caso do livro Nǚ lúnyǔ (女论语), Analectas femininas”, de Song Ruoqian e Song Ruozhao [Lee, 2006: 347-351].

 

Numa sociedade onde a mulher era criada para casar e se tornar mãe, desde a infância se recebia a preparação, seja por meio de aulas com tutoras ou com suas próprias mães, que ensinavam afazeres domésticos, como cozinhar, e alguns conhecimentos básicos de leitura, escrita e matemática. Assim, mesmo as mulheres de camadas mais simples, como cortesãs, prostitutas e escravas, conseguiam redigir cartas e escrever poemas. Porém, não possuíam escolas próprias, como as que os meninos tinham, além do impedimento de realizarem os exames nacionais para o serviço público, que só homens podiam participar [Hinsch, 2020: 91-93]. Entre as mulheres, o estrato que mais viajou ao longo do período Tang foram as sacerdotisas daoístas, que possuíam maior posição social que as mulheres comuns. Por meio do daoísmo, as sacerdotisas não estavam presas às obrigações de uma mulher média da sociedade chinesa. Em sua maioria, elas eram intelectuais, e possuíam maior tempo livre para ler, escrever, viajar e cultivar relações sociais com colegas letrados. Dentre outros motivos, um dos principais que levou diversas mulheres a se tornarem sacerdotisas foi o desprendimento das obrigações que uma mulher comum se sentia pressionada a cumprir na China [Fan; Wang, 2021: 7].

 

Com isso, nota-se como se tornar sacerdotisa daoísta ajudou Yu Xuanji a encontrar um modo de justificar seu modo de viver, com liberdade e independência, podendo focar na sua escrita por meio da poesia. É importante destacar que Yu como daoísta foi sua última fase antes de falecer, e essa decisão veio após ter sido abandonada pelo seu marido, Li Yi. A partir da leitura dos seus poemas, percebe-se como Yu foi mudando de opinião ao longo do tempo, seja sobre o amor ou sobre si mesma [Liu, 2011: 29].

 

Poemas de Yu Xuanji: amor, daoísmo e liberdade

A partir do exposto, pauta-se na introdução aos poemas de Yu Xuanji com o intuito de conhecê-la a partir de suas próprias palavras, com o entendimento de que só assim se faz capaz um estudo adequado e digno em relação à sua vida, e a sua obra. Por isso, ao invés de uma análise profunda em relação à métricas e estrutura dos versos, serão dissecados a mensagem e o significado de alguns poemas, enquadrando-os na conjuntura da vida de Yu no momento em que eles foram escritos, que se acredita melhor representar a sua inteligência, a sua forma de enxergar o mundo, o amor, e a si mesma.

 

A autora Yang Liu expressa que os poemas de amor de Yu Xuanji apresentam uma variedade de emoções e experiências, todos demonstrando sua inteligência, independência e mentalidade forte. Em relação à Saudação ao cavalheiro Li Jinren [Portugal; Xiao, 2011: 105], Yu narra de forma alegre um clima de festa e, por meio de associações com lendas chinesas sobre a sorte no amor, descreve com alegria a chegada de um visitante, dando a entender ser sobre um amante com quem ela estaria se relacionando. Para as conjunturas da época, evidentemente isso estava fora do que era considerado adequado. A estudiosa Josephine Chiu-Duke destaca que ao passo que o objetivo geral da educação para meninas na sociedade chinesa era de que elas aprendessem a ser gentis, submissas e castas, Yu era uma poeta com coragem e talento que desafiava as normas e escrevia poemas para todas as ocasiões, e ainda que muitos deles seriam para seu próprio entretenimento, ela questionava a dinâmica de poder entre a ética e as tradições para uma mulher da sua época [Liu, 2011: 39-40].

 

No poema A uma garota do bairro isso se torna evidente, se tornando um dos seus trabalhos que mais gerou repercussão. Nele, Yu descreve um dia de primavera, menciona sobre se maquiar e achar o amante ideal, ainda que seja difícil. Suas lágrimas são ocultadas em meio às flores primaveris, e declara que se há a possibilidade de encontrar um homem elegante e de forte presença, não vale a pena chorar por um rapaz raso, ainda que ele seja bonito [Portugal; Xiao, 2011: 45]. Aqui, Yang Liu destaca que o modo como a poeta escolhe abordar a temática do amor é muito distinta e não convencional em comparação às outras mulheres da sociedade chinesa. De acordo com a autora, Huang Zhouxing comparou Yu enquanto uma professora que ensinava um macaco a escalar uma árvore, induzindo as pessoas a quebrarem as regras. Segundo Liu, além de Huang comparar mulheres à macacos, numa evidente conotação pejorativa, a expressão “ensinar macacos a subir em árvores” no vocabulário chinês geralmente implica em ensinar algo errado para alguém que tem potencial para o mal, tal qual macacos que possuem uma inclinação natural para subir em árvores [Liu, 2011: 43-46].

 

Em um dos meus poemas preferidos, Vendendo peônias murchas, Yu escolhe trabalhar com uma das flores mais famosas na escrita chinesa, porém adicionando seu próprio toque especial ao se comparar com sua versão seca. Nele, a poeta fantasia sobre um dia morar num nobre jardim, no qual os homens iriam enfim perceber que se arrependeram por tê-la rejeitado. Na interpretação de Yang Liu, Yu teria acreditado enquanto jovem que pelo seu talento e beleza ela iria acabar atraindo um homem extraordinário. Agora mais velha, a poeta percebe que isso não aconteceu [Liu, 2011: 70-71]. Em um dos versos, Yu descreve: “Pétalas rubras, só crescessem em palácios” [Portugal; Xiao, 2011: 35], revelando o modo como a poeta se considerava valiosa e rara. No que condiz a sua vida enquanto monja daoísta, escolhe-se o poema Vivendo nas montanhas no verão, no qual, de acordo com Liu, Yu narra sobre não ter preocupações financeiras, e sua vida parece estar regada aos privilégios e prazeres, por meio de vinho, vestidos de seda e barcos pintados. No primeiro verso, Yu expressa: “Aqui, onde habitam os deuses, fiz minha morada” [Portugal; Xiao, 2011: 103]. Além disso, a rotina da poeta parece consistir em leituras, escrita e viagens de barco, apresentando um cotidiano bastante pacífico.

 

Por último, mas longe de ser menos importante, cita-se talvez o poema mais famoso de Yu, Visitando o pavilhão sul do Templo Chongzhen - onde são divulgados os resultados dos exames para o serviço público. De acordo com Yang Liu, esse pode ser considerado um dos primeiros exemplos de uma mulher chinesa reivindicando pelos mesmos direitos que os homens. Ao longo dos versos, Yu percebe que o motivo dela não poder participar dos exames nacionais para se tornar funcionária pública é por conta do seu gênero, culpando o robe de seda que está usando: “Pena: os robes em seda me cobrem a poesia” [Portugal; Xiao, 2011: 65]. De acordo com a autora Liu, é a roupa que está usando que impede Yu de atingir o sucesso que ela poderia ter potencial para alcançar [Liu, 2011: 73].

 

A tragédia de Yu e seu reflexo nas mulheres do Tang

A partir dos poemas de Yu Xuanji, percebe-se como os temas constantes de sua escrita centralizaram nas temáticas do amor, ainda que não pelo casamento convencional, bem como de saber seu próprio valor, em uma época em que as mulheres não eram incentivadas a terem autoestima estando sozinhas, e se indagar por qual motivo elas não poderiam realizar o exame nacional chinês. Segundo a autora Jinhua Jia, Yu representa a paixão expressiva de uma mulher. Sua prosa primorosa e emoções reais ultrapassaram o que a maioria dos trabalhos escritos por homens pretendiam ao descrever os sentimentos das mulheres. Enquanto eles escreviam poemas utilizando a voz feminina, Yu tomava para si suas próprias palavras sobre amor e desejo, o que a autora descreve como extraordinário. Além disso, Yu usava metáforas, símbolos, alusões e imagens do cotidiano de um modo inventivo, o que tornava seus poemas harmoniosos e únicos [Jia, 2016: p. 48].

 

Já a partir dos estudos de Yang Liu, a autora baseia seus apontamentos a partir de Beata Grant, no qual apresenta que o que é escrito sobre mulheres e gênero em textos, sejam eles de cunho religioso, literário ou histórico, se trata de um reflexo da prática social daquela época, principalmente pelo fato de que são majoritariamente textos escritos, editados e compilados por homens, e estes, por sua vez, de forma consciente ou não, partem de uma perspectiva androcêntrica. Segundo Liu, a verdadeira tragédia de Yu não é o fato de que ela foi abandonada ao longo da vida, seja pelo marido, ou pelos amantes, mas que ela foi frequentemente censurada por homens escritores, seja estando viva ou mesmo após a sua morte. De acordo com a autora, Yu não poderia ser aceita por críticos confucionistas, e que a desaprovação em relação a ela era tão generalizada que o seu nome era tido como um sinônimo para prostituta [Liu, 2011: 53].

 

Assim, evidencia-se o nível que a má-fama da poeta atingiu entre o círculo literário da sua época, propiciando a difamação da sua escrita, impedindo de ter maiores êxitos na posterioridade do mundo chinês. Ao passo que Yu possui uma obra extensa de poemas que expõem a vivência de uma mulher chinesa ao longo da Dinastia Tang, questiona-se até que ponto ela retrata a experiência de outras mulheres nesse período. Por sua vida distinta, sua independência e reflexões acerca do amor, se pergunta se outras mulheres encontravam em Yu uma figura de admiração ou de rebeldia. Em todo caso, se sua obra vive até os dias de hoje, aponta-se que o motivo talvez não seja apenas pela sua má repercussão, mas também pela possibilidade de uma admiração secreta e silenciosa de uma minoria que enxergava em Yu uma figura precursora, de alguém que ilustrava as possibilidades que cabiam em uma mulher.

 

Conclusão

Como foi exposto, percebeu-se como os poemas de Yu Xuanji partiam de uma narrativa de uma mulher confiante, que vivia sob suas próprias condutas e dificilmente deixava de se expressar por medo de constrangimentos morais que poderiam prejudicá-la. Com temas fortes envolvendo o amor e reflexões de si mesma e do daoísmo, Yu foi constantemente atacada pelo seu modo de viver, não apenas enquanto estava viva, mas também após a sua morte. 

 

Assim, o que foi realizado neste trabalho é uma tentativa de problematizar a má-reputação que Yu carregou, viva ou não, que impediu que os seus poemas fossem completamente apreciados e divulgados, sendo essa a sua verdadeira e maior tragédia. Por meio do controle da sua própria narrativa, podemos conhecer e admirar uma poeta pelas suas próprias palavras, que refletiam as angústias e os desejos de uma mulher na Dinastia Tang.

 

Referências

Marcela Langer é graduanda em História pela Universidade Federal do Paraná, pesquisadora do programa de Iniciação Científica voltada aos estudos de História da China Antiga.

 

Dr. Otávio Luiz Vieira Pinto é professor de História da África pela Universidade Federal do Paraná.

 

Fan, X; Wang, J; Xiao, H. Women’s travel in the Tang Dynasty: Gendered identity in a hierarchical society. Annals of Tourism Research, v. 89, Julho de 2021, p. 1-12. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0160738321001092> Acessado em: 29 jul. 2023.

 

Hinsch, B. Women in Tang China. Reino Unido: Rowman & Littlefield, 2020.

 

Jia, Jinhua. Unsold Peony: The Life and Poetry of Daoist Priestess-Poet Yu Xuanji of Tang China. Project Muse, Tulsa Studies in Women’s Literature, vol. 35, n. 1, 2016, p. 25-57. Disponível em: <https://muse.jhu.edu/article/621722> Acessado em: 29 jul. 2023.

 

Lee, W. Y. Women 's education in traditional and modern China. Women 's History Review, v.4, 1995 (publicado online em 2006), p. 345-367. Dispoível em: <https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09612029500200092> Acessado em: 29 jul. 2023.

 

Liu, Yang. Imagery of Female Daoists in Tang and Song Poetry. 2011. Tese (doutorado) - Curso de Filosofia, The University of British Columbia, Vancouver, Abril 2011.

 

Portugal, P. R; Xiao, T. Poesia completa de Yu Xuanji. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

2 comentários:

  1. Bom dia Marcela e Otávio, ótimo texto e problematização de um perfil biográfico! Tenho uma questão e uma sugestão. O sacerdócio e monacato no período T'ang, tanto budista quanto taoísta, não era só um papel religioso, mas um status jurídico. Como tal, uma série de isenções de obrigações existiam, principalmente de tributo e de casamento. Apesar de Yu Xuanji ter um marido, a associação com o sacerdócio pode ser encarada como uma forma de resistência, na busca de uma vida mais autêntica que só seria possível em tal condição? A sugestão revolve ao redor da questão do gênero e poesia no período. A associação de Yu Xuanji com a prostituição pode revelar mais do que um simples sinal de perseguição posterior. De fato, figuras femininas notáveis como a imperatriz Wu Zetian e as imperatrizes-consorte Yang Guifei e Wei foram abominadas pela historiografia chinesa posterior por ingerências na vida política que não conformariam com as normas de gênero. Não sei se o insulto de prostituta foi usado contra elas. Se não foi, pode apontar para as relações entre prostitutas e literatos na cidade de Chang’an. As prostitutas, que operavam como cortesãs, eram também poetisas cuja habilidade estava ligada ao reconhecimento da habilidade literária dos clientes que prestariam os exames imperiais e na expectativa futura de casamento. A historiadora Linda Rui Feng, que trata da cidade de Chang’an como espaço de sociabilidades no livro “City of Marvel and Transformation Changan and Narratives of Experience in Tang Dynasty China”, aborda as aproximações entre estes dois grupos. Sugiro que a associação da prostituição à Yu Xuanji pode estar relacionada a um “engano" tendencioso se outras figuras femininas do período não foram tratadas nos mesmos termos pela posterioridade.
    Matheus Mazurkievicz Sekikawa

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    1. Caro Matheus, bom dia. Primeiramente gostaria de agradecer pelo seu comentário, bem como o questionamento, a sugestão e seus apontamentos. Diversas literaturas apontam que Yu Xuanji ter se tornado sacerdotisa daoísta deriva da sua vontade maior de viver de forma independente e de acordo com seus próprios termos. Como você colocou, mulheres nessa posição estavam num patamar social maior em relação às mulheres comuns, em especial as cortesãs. Num ponto mais particular, acredito que ela ter escolhido o sacerdócio logo após ter sido abandonada pelo seu marido diz muito, pois se trata de uma escolha consciente de querer viver tranquila e segura, após passar por um período turbulento derivado de um relacionado complicado. Isso é apontado, principalmente, nos seus poemas, que apresentam um grande contraste entre o seu período de casada com o de sacerdotisa. Enquanto casada, Yu compôs em sua maioria versos narrando solidão, tristeza e abandono, ao passo que enquanto sacerdotisa, contemplam-se escritos sobre serenidade e completude. Esse período de paz na vida de Yu com certeza não se deve apenas pelo fim do seu casamento, mas também pelas gratificações que eram dadas às sacerdotisas dos templos daoístas, como a pequena propriedade de terra, por exemplo. No mais, como apontado no artigo e pelas autoras mencionadas no texto, há sim fortes razões para acreditar que a má-fama de Yu e sua reputação como prostituta parte de uma perspectiva androcêntrica por parte dos seus estudiosos contemporâneos, resultantes de um afrontamento dos papéis de gênero que a poeta recusou aceitar. Acredito que as figuras que você apontou, como a imperatriz Wu Zetian e as imperatrizes-consorte Yang Guifei e Wei são também nomes importantes para compor esse grupo de mulheres na China Antiga que, tal qual como Yu, também sofreram punições mais sórdidas e consequências mais graves dentro do contexto da posterioridade do que em comparação aos seus contemporâneos homens. No entanto, gostaria de ressaltar a diferença social entre elas com a Yu, que era de origem plebeia, o que torna a imputação de prostituta como uma ofensa que deriva de uma perspectiva preconceituosa, não apenas na esfera de gênero mas também de classe. Dificilmente mulheres membras da realeza receberiam a mesma alcunha, por se tratar de uma posição comum às mulheres pobres. Além disso, mulheres concubinas e prostitutas também custariam a acreditar na chance de conseguir se casar de forma tradicional, já que na China Antiga essas definições eram bastante estritas. A escrita, dentro do contexto Tang, pode ser tida como uma habilidade bastante comum entre as mulheres, já que eram ensinadas em casa, muitas vezes por suas próprias mães, cuja principal função seria a de redigir cartas. Então sim, é verdade, muitas concubinas e cortesãs escreviam poemas, mas não sei até que ponto concordo que isso poderia servir como uma moeda de troca na busca de atrair um marido. Escrever poemas de amor? sim, desejar se casar? também, mas levando em consideração a consciência que essas mulheres tinham da sua posição, talvez o desejo não fosse transferido para a esfera racional, mas reservado nos seus versos dentro de um wishful thinking, por assim dizer. No mais, uma outra poetisa que recebeu um tratamento muito parecido com a de Yu, em termos de difamação e linchamento, foi Li Ye, como apontado pela autora Yang Liu. A perspectiva da autora é demonstrar como muitas sacerdotisas daoístas foram contempladas por estudiosos como meras prostitutas, tratando suas obras e contexto de vida como irrelevantes em seu julgamento maior. O que com certeza leva a reflexões sobre até que ponto pode ser considerado um mero acaso, ou engano, mulheres que decidem viver livres do aprisionamento do casamento e da maternidade, ao optarem pelo sacerdócio, de serem taxadas dessa forma. Espero ter respondido a sua pergunta!

      Marcela Langer e Otávio Luiz Vieira Pinto

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